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Uma máquina de rock, blues e groove

Na nossa Juiz de Fora, geralmente encontramos artistas de alto nível. Isso é significativo, porque se aparentemente a apresentação não é lá muito original, há pelo menos a certeza de qualidade. O histórico dos músicos juiz-foranos não nega isso. Aquele que estiver acompanhando a cena autoral de JF, vai se deparar com o quebra-cabeças de sonoridades do La Macchina. É o primeiro CD de uma banda que tem muito a oferecer. Na capa está escrito: “La Macchina” . Nome do CD? Certamente, é o da banda. É a única informação escrita, compondo a logo da grupo, estampada na frente do álbum. Simples assim, direta, instigando a pegar o CD, escutá-lo, descobrir o que contém ali.

A misteriosa capa do CD da La Macchina

A banda foi formada em 2009 e veio ao longo dos anos acertando sua formação. No CD temos Álvaro Rosa (voz), Ronaldo Kelvin (guitarras), Gutto Ribeiro (contrabaixo) e Hélcio Leão (bateria). Atualmente, a guitarra foi assumida por Hugo Schettino nos palcos. Os teclados foram gravados por Pablo Garcia. A sonoridade de base apoia-se na música heterógena que os negros norte-americanos trouxeram ao mundo: Jazz, Blues, Funky, Soul e Rock. As canções foram compostas em épocas diferentes e gravadas de março de 2015 a janeiro de 2016. Mas, a consciência estilística da banda é evidente, apesar do espaço existente de uma canção para outra. Há grande unicidade na escuta total do álbum. A banda sabe o que quer e cada membro dá seu recado no CD.

De saída parece só mais uma banda. No entanto, as coisas parecem estar de alguma forma no lugar errado. Só que é de propósito e a escuta atenta revela isso. Esta característica é importante para o grupo, nela está o que marca um trabalho bem feito. A influência de ritmos que hoje são globais aparecem de forma diferente da essência original da terra do Tio Sam. No riff de abertura de Payback você pensa: é rock, como outros que já escutei. Daí vem um groove a la Funky Music e o rumo é desviado. Órgãos Hammond cheios de rotator, fazendo a cama, dando liga ao ritmado da guitarra repleta de wah-wah. A batera dita o ritmo. A coisa se desenrola assim, até surgir uma batida na guitarra e a base de baixo, seguido do solo num estilo Carlos Santana, repleto de latinidade.

A energia segue para a segunda faixa, The Best Days . A coisa muda de tom. Vem um blues mais modernoso, mas ainda cheio de groove. Uma atmosfera meio jazzística na voz, quase leviana com os versos, um cantar despretensioso, que tem a certeza de que o melhor está sempre por vir. Satelite mantém a pegada funky, só que com um refrão elegante, de som massivo, contrastante ao ritmo do verso.

O álbum começa a mudar na quarta faixa, Naked. Vem foz acima no rio Mississipi, voltando as raízes da história latente em todo o disco. Laura Januzzi e Juliana Stanzani fazem um dueto com a sonoridade e a harmonia do gospel das capelas sulistas norte-americanas. O blues começa a aparecer em estado bruto? Não, a banda mantém seu métier, seguindo com as misturas. Participações especiais que trouxeram mais tempero à mistura. Originalmente, são cantoras num estilo mais MPB. Pra quem não sabe disso, passa quase batido. A coisa quase se encaixa no convencional, só que a suavidade das vozes delas destoa um pouco, o que foi bom para o caldeirão sonoro. Se fosse algo como o drive de uma voz tipo Janis Joplin, ou uma presença mais encorpada, num estilo Ella Fitzgerald, cairia no tradicional. Just a fake tem as frases pentatônicas de B.B. King, solo de piano e a levada do ritmo que seria a base do rock n’ roll, que veio principalmente com Chuck Berry. É uma composição que expressa esse entre-lugar musical dos anos 50 e 60. Ora blues, ora rock.

Brand New tem a tristeza característica do blues. Quer parecer jazz, porque o baixo tende a vir em walking bass, mas o groove da banda nunca é deixado de lado. Ao mesmo tempo, transparece um ritmo mais sensual, acompanhando a poesia do verso, com um som de piano rhodes, pulando do falante direito para o esquerdo, completando a dança. O refrão tem vigor e reafirma o que a música quer dizer. É mais rock!

A melancolia segue com um bumbo de som grave e abafado. O chimbal e a caixa completam, enquanto vem um solo de órgão Hammond, quase como um clarinete, em fade in. Baixo e guitarra dão a harmonia e a voz segue seu lamento compassado, numa melodia quase sem ambição. Mas, ela está lá, contando sua história. Soa solitária, apesar de ter acompanhamento, numa simplicidade que conta tudo. Isso é Be ready, baby . Os instrumentos vão indo embora, o sentimento se reafirma. Por fim, sobra baixo e bateria, num ralentando, que termina como o início. O som abafado volta em contraponto com a caixa, só que em pura despretensão. O ritmo vai indo embora, de propósito, numa métrica quase impossível de contar. Tudo termina com uma batida opaca no chimbal.

Nightmare mantém a melancolia, mas num blues mais blues; puro. Só que o solo é Eric Clapton. Se Just a Fake traz o lado mais extrovertido do blues clássico, em sua mistura com o rock n’ roll, I must go on , faz a mesma coisa, só que em tom menor, ao mesmo passo dos lamentos dos spirituals norte-americanos, que deram origem ao Blues.

O CD tem seu desfecho em The Last Time. As referências de todo o álbum são trazidas. O final da música parece que ela foi gravada de primeira, soa como jam session, pura inspiração! É a aplicação de frases e escalas cultivadas por anos, num duelo de solos, que conta com a presença de Big Joe Manfra. A banda ainda liberou uma versão alternativa de Be ready, baby, com a solitude da voz e de um piano rhodes. Arranjo simples, melodioso, soa como uma demo. Demo não em um sentido cru, ou mal gravado. Mas como se fosse uma primeira versão levada ao estúdio, a forma como a música nasceu, sem o arranjo final.

Num todo, o álbum é um emaranhado de influências já conhecidas. Articuladas de modo interessante e de bom gosto. A capacidade dos músicos é inegável, o que vem a ratificar ainda mais a qualidade do trabalho. É uma escuta que se enquadra em vários momentos, como se houvesse um só! Mas, vale pra relaxar após um dia estressante de trabalho, ou mesmo, para fazer trilha sonora enquanto se dirige em alguma BR por aí. Já que não temos Highways!

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