As raízes do samba em “Baobá”
- Fernanda Castilho
- 18 de ago. de 2015
- 3 min de leitura
"Ary Barroso é de Ubá. Alcyr Pires Vermelho, de Muriaé. E Ataulfo Alves de sua saudosa Miraí. Carlos Fernando Cunha nasceu no Rio para onde todos eles foram um dia para fazer história na música brasileira e construir, no samba, uma ponte simbólica entre Minas e Rio, por onde passaram e passam muitos outros mais. E foi educado, como sambista, em berço de ouro: a bateria da Unidos de Vila Isabel, escola de Martinho da Vila, sambista nascido em Duas Barras, justamente na fronteira do Rio com Minas, e que trouxe o balanço ancestral dos calangos mineiros para o partido-alto carioca. Carlos Fernando pegou a ponte na mão contrária. Levou seu sotaque cheio de erres rasgados e xis no lugar dos esses, e seu samba aprendido na fonte, para a Minas fornecedora de tantos sambistas.” Por Hugo Sukman.
Assim nos é apresentado “Baobá”, de Carlos Fernando Cunha, já dando uma prévia de sua paixão e inspiração por cantores e compositores mineiros, além de mostrar suas raízes no samba carioca. O artista cresceu no Rio, entre carnavais, escolas de samba e muita música, mas veio para Minas onde pôde se encantar e descobrir novos sons.
A primeira canção dá vontade de dança. “Ouro de Minas”, composta em parceria com Roger Resende, narra as belezas de Minas e seus grandes compositores, suas inspirações. A letra faz referências à história da escravidão de Minas e à sambista guerreira Clara Nunes. Canta também sobre a liberdade em trechos como “já afrouxei a saudade, de pandeiro na mão puxei o tom da liberdade”. E, em tempos difíceis na política nacional, nada melhor do que ouvir “Canta um Brasil sem açoite e chibata. Fé neste chão!”.
Em “Nova Morada” a história é sobre a nova casinha, contando em detalhes e cheio de humildade como vai ser esse novo canto da família. Trazendo grandes nomes da música autoral de Juiz de Fora como Roger Resende, Edson Leão, Kadu Mauad e Dudu Costa, a canção “Cavaco Madeira” narra o fim de um amor, os lamentos pelas noites nos bares e, logo depois, o amanhecer, a clareza e um novo começo. O CD segue com “De piedade”, que conta com participação preciosa do cantor e compositor Wilson das Neves: “Ela é de Piedade, mas não tem piedade de mim” - um desejo, uma paixão que fica num plano impossível, uma “doce ilusão”.
Um tempo atrás, Chico Buarque cantou “Onde andará Nicanor? Tinha amor pro porto inteiro, um peito de remador”. Hoje, Carlos Fernando Cunha canta “Encontrei Nicanor”, o jovem que “colecionava beldades”, mas daí vai encontrando a velhice e se esbarra com o amor: "eu encontrei Nicanor, hoje, aposentado, vive com Leonor”.
Com um sambinha leve, a letra de “Ócio Criativo” trata d’aquele que leva a vida devagar, sem pressa, deixando a vida levar, o “mineiro-baiano”, com tranquilidade cantando “vendo o circo pegar fogo, esquentar e explodir, tô aqui só na graça pra rir”. Sobre o ato de compor, as dores do amor que levam à inspiração para uma canção e vira samba “Sapiência”.
“Quem acha vive se perdendo” é poesia de “Modo certo de amar”, que faz referência às poesias do sambista da Vila Isabel, o incrível Noel Rosa, outra influência em seu trabalho. “Nossa Portela” faz uma linda homenagem à escola de samba Portela, referindo-se à comunidade do samba como uma “gente com mania de amor”. E numa regravação de “Madrugada, carnaval e chuva” de Martinho da Vila, Carlos Fernando Cunha canta ao lado de Ana Costa e mostra que, além de compositor, também sabe interpretar com maestria outros grandes nomes. A música tem como tema os desfiles das escolas de samba no Carnaval brasileiro, narrando o trabalho, o esforço e todas as dificuldades que uma escola enfrenta para desfilar radiante na avenida: “o samba tem é que continuar”.
E, por fim, vem “Sangue de Baobá”, mostrando que seu samba tem raízes fortes como um baobá, árvore antiga, troncos fortes, de origem africana, “melodias que a Mãe Natureza deu”.
O álbum todo nos convida a conhecer essas profundas raízes do samba, majestosas como o baobá que “acumula histórias e amigos”.
O disco, realizado pela Lei de Incentivo à Cultura Murilo Mendes, pode ser ouvido no site do artista http://www.carlosfernandocunha.com.br/#!/ck0q.

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