top of page

Olhos nos olhos com Boogarins

Fotos: Thais Mariquito

“Boogarins é uma banda de chilli jazz, não é uma banda de psicodelia”,

afirma Ynaiã, ao que Raphael completa: “chilli jazz e rock progressista”.

Em uma breve conversa, no estúdio Full Time, subsolo do Cultural Bar, eu estava bastante ansiosa. Eles abriram a porta enquanto escutava Desvio Onírico na maior altura com meus fones de ouvido. Até dava para Everton Surerus, parceiro do som, captar. Mil ideias na cabeça, pouco tempo para organizar, sentaram-se os quatro.

Boogarins em entrevista para nós do Coletivo Av. Independência | Foto: Thais Mariquito

Ynaiã abre a boca e vem aquele vozeirão grave, presencial. Será que não dá para ele cantar também no Boogarins? Cenas futuras de uma banda que não para de lançar e tocar. Dinho é solar, fala e canta sorrindo. Sorri com os olhos e tem feito experimentações nos vocais e nos pedais de efeito. Um dos retratos do show é um noise muito orquestrado com Dinho e seus dizeres nonsense, enquanto dança com a guitarra. Benke repete acordes incessantes em sua stratocaster preta e branca clássica. Rapahel largou seu baixo SG e está de joelhos no chão com o sintetizador, manuseando os pedais. Ynaiã está suado em entrega completa, suas feições e caretas e batidas demonstram que ele está em pleno pulo num abismo, sem medo de onde vai cair. Até porque demora, vão esticando, criando e recriando. Dinho com seu timbre de voz nos apazigua, ao mesmo tempo em que pode atordoar, depende de como você recebe.

“Desvio Onírico” é seu último EP lançado, em fevereiro deste ano, com registros de músicas executadas ao vivo em apresentações fora do país. Uma delas, “Manchada”, tem o registro de uma sessão de improvisação no meio da gravação do terceiro álbum, feita em Austin, no estado do Texas. São tracks gravadas por serem o ponto alto do show, o que há de mais novo em exploração de sons em seus equipamentos, principalmente experimentação com sons eletrônicos. “A gente tem um disco aqui, vamos dar um nome para ele, criar uma história e lançar”, essa é a ideia, conta Benke. O álbum vai sair em vinil em breve, assim como a canção “Foi Mal”. Ela foi gravada recentemente em parceria com a cantora Céu que os convidou para dividir o palco Sunset no primeiro dia de Rock In Rio [15 de setembro]. Já a versão em inglês foi criação com John Schmersal, a qual eles lançaram recentemente acompanhada de um vídeo e deram o nome de “A Pattern Repeated On”.

Sobre o terceiro álbum há um mistério rondando, certeza que virá muitos frescores, tudo aparentemente está gravado. Será que talvez possam surgir outras versões extras, em inglês, com parcerias como essa? Faz tempo que eles conquistaram o público e o respeito dos músicos mundo afora.

"Foi Mal": vídeo do show no Theatro São Pedro, durante o Festival El Mapa de Todos

Boogarins é riqueza de referências, cruzamento de músicas que gostam de ouvir de verdade. A guitarra de “A Pattern Repeated On” tem brasilidade mineira, basta escutar “Amigo, Amiga”, de Milton, conterrâneo atual, para perceber. Essa e outras influências do último single estão em uma lista criada pelos próprios no site da RedBull. Talvez o terceiro álbum possa ser um novo trabalho com menos canções, e mais música com exploração de recursos eletrônicos com muitas quebras e texturas. Mas isso sou eu que estou dizendo. De fato, a sensação que tive foi a de conseguir enxergar com clareza uma transição, ou passagem. Estão pilhados em performances com guitarras, sintetizadores e pedais de reverb. Chegou a passar pela minha cabeça o show do Body/Head, projeto de duas guitarras performáticas da Kim Gordon.

A hora do show já tinha nos alcançado, embora a sensação de querer continuar a conversa tenha ficado aqui guardada. Eu queria saber sobre as músicas não gravadas, a história do Boogarins contada pelos não-discos, estudos inacabados, mas assim como as músicas nunca tocadas, algumas perguntas e palavras não são ditas. O que ficou foi a certeza de que eles iriam correr ou andar calmamente para o palco. Essa incompletude é o que nos mantém equilibrados com nosso universo em constante expansão. Boogarins me passou serenidade e consciência sobre tudo o que produzem musicalmente. Embora tenhamos a sensação de completa psicodelia, a história não contada é o avesso, é sobre uma banda, que de tanto tocar e fazer som com os quatro sempre juntos, está integrada. O resultado é um som visceral e com uma construção uniforme por trás.

Retranca #01 [o show]:

Show em Juiz de Fora - 27.05 | Foto: Thais Mariquito

As músicas do Boogarins, em suas performances nos palcos, são lançadas ao infinito e não sabemos quais direções irão alcançar. A beleza do repentino e efêmero estão em suas apresentações, que parecem só acontecer daquela maneira uma única vez. Quem viu uma apresentação dos meninos Dinho Almeida, Ynaiã, Raphael Vaz e Benke alguns meses antes, com certeza terá uma nova experiência agora, estão sempre testando e buscando criar, sendo inventivos no que sabem fazer. E parecem sentir muito enquanto tocam.

Duas vezes durante o show que aconteceu em Juiz de Fora, no último sábado (27), escutei as pessoas falando sobre estarem tendo uma sensação de orgasmo durante o show. Essa sensação extremamente particular, foi exatamente o que eu senti na primeira vez em que assisti ao Boogarins. É como se a música fosse nos tragando, enquanto penetramos em direção a um prazer onírico. Possibilitando uma expansão da nossa mente, sem a necessidade de sair do lugar. Cada célula musical nos toca.

O show passa uma mensagem abstrata, sem ser impositivo ou explicitamente político. Cada um ultrapassa seu limite e passa a enxergar e escutar de forma ampla, fazendo conexões com o que já carregam de ideias (ou talvez a banda só tenha um público que viaja demais). O poder alucinógeno que tanto ressaltam sobre o Boogarins é esse: o de conseguir fazer com que o público tenha a sensação de estar “confortavelmente entorpecido” a ponto de se libertarem do tempo dos homens hostis.

“O jeito que a gente trabalha a nossa canção é muito mais sobre proporcionar para a pessoa uma certa expansão e uma certa tranquilidade de pensar nela e nas ideias que ela tem. E se você for pensar nesse caos que a gente vive, nesse tanto de ideia errada rolando é mais uma falta de sensibilidade. Uma falta da pessoa parar e prestar atenção em certo tipo de coisa e ter outro tipo de reflexão, do que realmente um super discurso de que verdade é isso, o certo é isso (...) Você não tem certeza se vai gerar mudança com uma frase fechada, é muito mais fácil você dar uma ideia aberta em que a pessoa consiga trabalhar nela também e gerar mudança”, Dinho Almeida, voz/guitarra.

É uma orquestração Lo-fi, no sentido de sobreposição de elementos e camadas. Eco vocal, bagunça, multiplicação, repetição de notas, fortificada pela reciprocidade consistente. Uma conversa dos músicos com seus instrumentos, fazendo com que cada um saiba entrar e sair de forma construtiva. Uma session jazzística e neoprogressiva. Não que se possa classificá-los ou restringi-los a categorias. Há um improviso em loop, construindo e desconstruindo ao mesmo tempo, com uso de sintetizadores em uma harmonia que dá cor ao instrumental. E ao final o que chega aos nossos ouvidos é um som psicodélico e “chilling”, suave de se ouvir e digerir.

“A psicodelia que a gente faz, não está em um ‘selo psicodelia de qualidade’, é mais por a gente tocar padrões repetidos, desorganizar eles e depois juntar de novo e depois separar também. Todo mundo toca uma coisa diferente ao mesmo tempo e aí sabe a hora, por causa de química e por causa do tanto que a gente toca junto também, sabe a hora de voltar junto e isso aí para quem está vendo de fora e não entende o fio que liga tudo isso, vê isso desse jeito” Benke, guitarra/voz.

Mais lidos
Posts Recentes
bottom of page