Dias de flores e sol
- Isabella Gonçalves
- 18 de ago. de 2015
- 2 min de leitura
Para ler ouvindo "Primavera" - 3, 2, Único

Lembro-me bem desse dia. O sol estava ao alto, eu andava de bicicleta e ficava pensando naquela cena do filme E.T, por mais estranho que seja. Todos aqueles meninos juntos pedalando, até que fecharam os olhos e se viram voando rumo ao universo. Eu corria os pedais, avistando todas aquelas flores juntas em árvores e imaginava como seria bom voar. Veria aquelas flores coloridas lá de cima, enquanto conversava com o sol.
Ora, e qual seria o assunto? Não fazia ideia. Se tivesse a chance de chegar bem perto daquela estrela sem me queimar ou derreter como Ícaro, eu provavelmente ficaria tão nervoso, que não diria nada. Seria como o perfeito idiota na frente da classe que apresentava o trabalho e se enrolava diante de todos. Um mico para o universo inteiro, pensa bem!
Mas bom, isso não ia acontecer mesmo, então continuei a andar pela vizinhança. Casas enfileiradas, todo mundo lá dentro, enquanto o sol estava tão bonito do lado de fora. Minha irmã, por exemplo, ficava lá vendo TV ou fazendo o dever em pleno domingo de primavera. E eu aqui, indo me encontrar com os meus amigos para brincar de bola. Nunca vou me cansar de brincar. Faço essa promessa desde já. Não quero crescer e ficar essa gente sem graça que se debruça em cima de livros e se esquece do mundo.
Foi então que avistei o Contador. Ele tinha a bola embaixo do braço, assobiava e ria não sei de quê. Era sempre esse cara alegre com a vida. Vivia fazendo piada com o vento e inventava histórias pra boi dormir. Assim que me viu, começou a quicar a bola, me desafiando. Desci da bicicleta e me vi correndo em sua direção. O Michael Jordan da escola, era assim que me chamavam. Não conseguiu quicar cinco vezes. Antes que piscasse, eu já estava com ela e ria de sua lerdeza.
“Assim não tem graça.” Ele disse, desanimado. “Quero ver me ganhar no futebol!”
Coloquei a bola no chão e comecei a imitar o Robinho, até que a minha falta de jeito me tirasse a ilusão. Ele riu, fazendo embaixadinhas. Chutou a bola rumo à árvore mais alta sem querer, tentando fazer um cruzamento para o Peixe, que chegava.
“Ah, não, Contador!” Gritamos os dois.
Nós 3, então, escalamos a árvore para pegar a bola e nos deixamos ficar lá de cima vendo a vizinhança que, para nós, era tão grande quanto o mundo.
“A gente vai ser amigo para sempre?” O Peixe perguntou, de repente. Ele estava indo embora para outra cidade, mas prometeu que viria nos visitar.
“Vamos, Peixe, claro!”
Nos abraçamos e ficamos vendo o pôr do sol lá de cima, enquanto eu me imaginava pulando dali e indo voar ao seu encontro. Sem fazer a mínima ideia de que uma despedida podia significar, o "para sempre" reservou a ilusão do infinito. Mas dali de cima, tudo, inclusive a ida ao universo, parecia possível. E nos deixamos sonhar, como quaisquer outros garotos de 12 anos fariam. E, como para qualquer menino da nossa idade, a primavera reservava a magia do brincar da estação. Nela, éramos inteiros e nos fazíamos sol.
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