The Basement Tracks e o novo EP autoral
- Carime Elmor
- 10 de set. de 2015
- 7 min de leitura

Foto: Fernando Fazio
Sensorial Rock. “Se pudesse inventar um estilo, coloca esse”, fala Victor Fonseca, vocalista da The Basement Tracks, após eu perguntar sobre a ideia das músicas sensoriais que preenchem o 1° EP – Songs From The Orange – de composições autorais.
A apresentação aconteceu na madrugada de sábado (5) para domingo (6) no Café Muzik, em Juiz de Fora. Mais do que apenas tocar suas músicas, a banda juiz-forana propõe uma experiência no palco. Suas composições são longas, com delay no vocal e sintetizadores. Já sacou que é aquele tipo de música para ouvir de olhos fechados na maior viagem, né? E para intensificar esse mergulho num som bastante denso, Márcio Junior, o 6º integrante – brincam eles –, fica responsável pelas projeções no fundo do palco, carregadas de mandalas, cores e transformações de padrões capazes de deixar todos envolvidos, em sintonia com as músicas. “Tem aquela coisa da experiência dos shows do Pink Floyd; não é só o som, é o visual, sabe? Todo um cenário criado para contextualizar. A gente quer humildemente fazer algo que traga essa sensação”, explica Ruy Alhadas, tecladista. Para complementar, o baixista Rodrigo Baumgratz associa a questão das projeções com a música autoral: “Como quase ninguém conhece as músicas, é uma maneira de pegar o público por um todo, pelo sentimento”.
Estávamos acomodados – eu e os integrantes da banda - em uma mureta do outro lado da calçada, na Rua Espírito Santo. O show tinha acabado naquela hora, foi o tempo de eu esperar eles guardarem os instrumentos e em seguida bater um papo. Achei que estariam todos muito eufóricos com a adrenalina do show, mas ao contrário disso, eles transmitiam serenidade. O setlist, ou melhor, a tracklist foi apenas de suas próprias músicas; a noite destoou do normal da cidade que é encher as casas com tributos e covers. A reação do vocalista quando perguntei sobre as barreiras para se tocar um EP completo de composições autorais me surpreendeu positivamente. “Ao invés de você tocar música dos outros, você toca as suas músicas. As pessoas vão ao show. Aos poucos pode ir reduzindo o público ou aumentando. Mas as pessoas vão repetindo, até que elas começam a ir ao show sempre. E aí elas vão conhecendo as suas músicas, ao ponto que elas já começam a reconhecer como se ela fosse um cover. Então você não precisa ficar colocando a culpa em todo o mundo. Eu acho que você tem que arriscar. Se você está disposto a fazer realmente sua música autoral, você tem que colocar a cara à tapa e ver”.
O primeiro passo, eu penso que deve ser esse mesmo. Pode parecer simples falando dessa maneira, porém, como o Ruy Alhadas pontuou, eles tiveram que cavar o espaço deles antes. “Eu acho que está tendo um movimento que está começando a valorizar mais o autoral. Mais bandas estão fazendo e mostrando o seu trabalho. Porque o cover acaba saturando um pouquinho. Então aquela coisa da gente tocar mesmo o nosso som, a gente abriu à marra o caminho. Fomos formando o público, tocando, insistindo, fizemos vários shows, muitos ensaios abertos lá no Maquinaria que foi e é ‘parceirásso’ nosso de sempre. Não é fácil você tocar música autoral porque as pessoas não conhecem. Mas a partir do momento que elas vão fixando a música, que elas vão sabendo como é o nosso som, elas começam a identificar, ir a shows e curtir nosso trabalho.” O tecladista termina dizendo que é preciso renovar, porque caso contrário, somente músicas de mais de quarenta anos atrás seriam tocadas. Nessa hora, Rodrigo fecha muito bem a discussão: “A gente odeia tirar cover, porque é um saco”.
As músicas do novo EP tem uma pegada do KrautRock, movimento de bandas no final da década de 60 na Alemanha que foram de encontro ao hiato cultural alemão pós Segunda Guerra; a ideia era compor melodias mixando instrumentos eletrônicos, sintetizadores, psicodelia e uma dose de progressivo. Como os meninos do The Basement Tracks afirmaram, o som do EP tem muitas texturas e está carregado de efeitos. Você, escutando as músicas em casa, percebe uma diferença daquelas tocadas no show. Rodrigo mesmo fala que as gravações são uma coisa e o show é outra, e sempre foi assim com muitas bandas. É preciso fazer adaptações para o ao vivo. Até porque o palco onde eles tocaram no lançamento do EP é pequeno e não comporta toda a tecnologia necessária para execução.
As músicas foram todas gravadas com o João Cordeiro no estúdio Maquinaria e depois foram mixadas por Braulio Almeida, no Rio - com exceção de Ocean’s Son, que abre o EP, single lançado em 2014 e mixado em SP por Pedro Zopelar. Lucas Duarte, baterista do grupo, me fez entender melhor o processo criativo da banda: “O legal de fazer música com a Basement, o diferente, é que é tudo muito livre. Todo mundo consegue dar as ideias que for e a gente testa muita coisa”. Eles trabalham de forma colaborativa, cada um traz um elemento novo. Para o Songs From The Orange, Victor trouxe as letras e a base das melodias. A estrutura foi ideia dele e a partir daí cada integrante foi encorpando melhor a música. O guitarrista Ruan Lustosa me falou que na gravação do álbum a improvisação não foi muito usada, mas que sempre apareciam uns insights. O vocalista explicou dizendo que: “Vai rolando uma jam assim. A gente vai tentando fazer um groove ao invés de fazer uma improvisação. Até chegar em um ponto e a gente falar ‘aqui tá longo demais, vamos cortar aqui e vamos fazer’”. Com a entrada do Ruy na banda, eles conseguiram trazer esse novo conceito: mais densidade para o som que só seria possível com um bom teclado."

A escolha da ordem das músicas para o álbum foi bem natural. Ao ouvir o EP, você vai percebendo que as cinco faixas vão oscilando entre uma com mais energia e outra mais down. Ocean's Son é a primeira, com uma bateria mais pesada, solo de guitarra; depois vem The Wall’s Drama bem mais progressiva, vocal com bastante delay e um detalhe especial: sax feito por Wendel Henriques. Em seguida Vietnan, com um vocal bem energético, bateria marcante e uma distorção no final; depois Of Children and Space, em que o teclado sobressai e o vocal é bem mais lento comparado à anterior. Por fim, 13 Sounds também com um vocal mais arrastado e uma guitarra bem marcante ao longo dos 8 minutos de música. Baixando o EP pelo bandcamp, vem junto a Mindset, que seria um Lado B, porque, como Rodrigo explicou, quando eles lançaram, eles pensaram em formato de mídia física. Mindset com certeza é a que mais blows my mind. Lucas era o mais quieto da conversa, falava baixinho, mas nessa hora colocou algo bastante interessante. “O João Cordeiro do Maquinaria disse que geralmente a coisa que mais dá briga ao se gravar um EP ou um álbum é a ordem das músicas. O nosso acho que foi a única unanimidade de todos os tempos. A gente sempre quis deixar mais heterogêneo assim, mais volátil. Tem a ver com o ao vivo também. Não foi extremamente pensado não, mas a gente propôs essa ideia.”
Um jeito bem legal de valorizar suas próprias músicas e ao mesmo tempo fazer rodar o EP foi disponibilizar algumas cópias no final do show para quem quisesse levar para casa deixando qualquer quantia que pudesse ou que achasse que valeria “pagar”. E agora com o lançamento já feito, Ruan fala sobre os próximos passos: “A gente vai começar a distribuição do EP agora, vamos mandar para alguns lugares porque achamos que tem potencial. É porque a gente lançou tipo ontem, né? Então estávamos focados nesse show. A partir de agora vamos enviar para alguns selos em São Paulo, Rio...e até fora do país”. Hoje, a maioria das apresentações do grupo é em Juiz de Fora, mas a intenção é espalhar o máximo possível. “Eu acho que o EP é um passo muito importante porque ajuda a gente a consolidar a nossa banda, dar visibilidade. As pessoas veem um trabalho com começo, meio e fim. Ajuda muito quando a gente for tentar buscar uma distribuição ou alguém que consiga shows. É um cartão de visita mais encorpado. Tem como mandar para outras pessoas, abrir portas fora daqui também. A intenção é essa, sabe? A gente conseguir uma projeção maior”, comenta Ruy.
Depois de mais de meia hora de troca de ideias, eu perguntei a eles se pretendiam continuar com o mesmo conceito de música do EP lançado, a fim de manter uma identidade. Victor logo contou uma novidade: já estão trabalhando para um full album somente de músicas inéditas e, inclusive, quem esteve no lançamento sábado, já teve a chance de ouvir Blooming Inside. “A gente tá pensando em fazer um mix de músicas que sejam mais densas e longas seguindo às que já temos, misturada com algumas mais diretas, mas que não percam essa essência sensorial e atmosférica”.

Foto: Fernando Fazio
Ruy alhadas terminou falando que os integrantes da The Basement Tracks já estão bastante sintonizados: quando alguém traz um material que compôs já é algo alinhado com o que a banda faz. “Eu já toquei em algumas bandas e às vezes, até pela proposta que é muito moldada a tocar cover, não saía nada autoral, ninguém conseguia criar nada, não tinha coesão. E aqui é muito legal porque a gente consegue fazer muita coisa. ‘Vamos sentar aqui, fazer alguma coisa...’ e sai, sabe? Das bandas que eu participei, o Basement é o que mais tem essa explosão de ideias. Então é muito fácil você tentar desenvolver, se não der certo, tentar fazer outra e ir moldando. Porque cada um tem uma memória musical que vai puxar para um lado ou para o outro, mas a gente vai tentando filtrar tudo, pegar a influência de cada um, juntar e criar algo que tenha coesão, que converse uma coisa com a outra, a ponto de chegar num lugar comum”.
Sintonias à parte, é normal que existam desencontros quando cinco pessoas elaboram uma ideia. O vocalista confessa que “The Who brigava, mas a gente esperneia.” Ao que o baterista responde “A gente quer muito que dê certo”. Naquela noite, junto com a garoa gelada e o som de fundo da discotecagem no Muzik, Lucas e Victor terminaram com o melhor diálogo:
“Mas a gente ama muito também, né, cara?”.
“É, a gente espalha muito o amor também”.
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