Concerto a 14 mãos
- Carime Elmor
- 30 de set. de 2015
- 5 min de leitura

Foto: Pedro Henrique Rezende
No meio de um sonho nasce uma poesia. Estou em um espaço artístico da cidade, aonde normalmente vou às exposições de fotografia ou telas. Hoje revisito algo diferente: estou entrando num concerto de música em um teatro escuro, com muitas cadeiras já tomadas pelo público. O pequeno teatro vibra junto às cordas do violão de Luizinho Lopes, que nesta noite nos apresenta uma prévia de seu novo álbum – Pontualmente às 3 – ainda em fase de gravação. O disco foi moldado pelo universo subjetivo do onírico.
Numa noite dessas, Luizinho acordou de um sonho, às 3 da manhã. Nele, uma mulher havia subido em suas costas, aberto um mapa e criara trajetórias com as pontas dos dedos. Através de metáforas, a mulher seria uma poesia e para ela, ele criou uma melodia. Musicou o sonho que deu nome ao novo álbum. Passado um tempo, teve um segundo: agora com sua antiga música Lume. Neste mesmo dia, recebeu um telefonema de uma colega falando que havia se lembrado dessa composição.
“Quando o poeta avista de seu silêncio um verso, empunha a lapiseira e finca na folha branca.” Ela fala da criação, é uma metalinguagem. E para acompanhá-lo, Luizinho convidou Toninho Ferragutti, um dos maiores acordeonistas brasileiros, que toca frequentemente com Gilberto Gil, Elba Ramalho, Chico César e Marisa Monte. “O Toninho Ferragutti é um velho amigo que já gravou em outros dois discos meus. Eu me encontrei com ele em São Paulo e fiz o convite pessoalmente, ele respondeu com toda disposição: com que roupa que eu vou?”.
Duas características inéditas aparecem nesse disco; pela primeira vez, todas as composições são de sua própria autoria. Entretanto, a novidade está na ideia de convidar dezenove músicos para fazer participações nas gravações, sendo a formação original composta por Luizinho Lopes, o baixista Dudu Lima, o percussionista Bré Rosário e o guitarrista Daniel Drummond. Após uma viagem para a Europa com o Bré, onde fizeram vários concertos, Luizinho voltou com muita vontade de criar. Uma explosão de criatividade que rendeu seis belíssimas composições em poucos meses. “Quando cheguei de volta ao Brasil, eu já tinha sido aprovado pela lei Murilo Mendes. Então eu pensei: vou fazer o contrário do que eu fiz no DVD e o oposto do que eu fiz na Europa. Vou chamar um monte de gente pra poder gravar comigo. E o 1° passo que eu dei foi convidar o Ricardo Itaborahy para ser o produtor”. Junto ao Ricardo, chamou os outros dois integrantes do Dudu Lima Trio, o Dudu Lima e o Leandro Scio para as gravações e show.

Foto: Pedro Henrique Rezende
A parceria entre os dois foi muito aberta e Luizinho deu total liberdade a Ricardo. Apenas músicas que agradassem aos dois entrariam no disco. Além de ter participado como pianista, Ricardo foi o produtor, criou a maior parte dos arranjos e está por trás de tudo no Pontualmente às 3. Mesmo durante o concerto, ele fica regendo os músicos no palco que mais parece o de uma orquestra. Percussão, bateria, flauta, clarineta, clarone, piano, viola, um coro de vozes maravilhosas, acordeom, guitarra, violão, baixo elétrico e acústico. Toda essa complexidade sonora, guiada por músicos inacreditavelmente virtuosíssimos, acompanham os brilhantes versos de Luizinho. E a noite se torna um espetáculo de sonoridade, com arranjos encorpados e um show completo, musicalmente e poeticamente.
Um concerto feito a 14 mãos e um álbum com 20 nomes. Pontualmente às 3 foi um grande encontro de músicos de nossa cidade e de fora daqui. Luizinho reuniu amigos e músicos que admira para se unir a esse projeto. Conversando comigo, ele afirma que Juiz de Fora está cheio de verdadeiros gênios da música e que o Encontro de Compositores permitiu que se encantasse pela voz da cantora Yug Werneck – que interpreta Meu Amor Me Deixou; música composta por ele em agosto. E foi lá que conheceu também o encanto dos sopros de Caetano Brasil, a partir daí os chamou para entrar nesse sonho. Caetano me conta que, “O convite foi feito para amigos de longa data, que tocam com Luizinho há muito tempo ou como eu, que o conheci no Encontro de Compositores. É um trabalho que tem essa coisa da amizade de maneira muito forte”.
De repente, A Cantora Sumiu. Esse é o momento do show que mais me surpreende. Nas primeiras estrofes Luizinho vai dando as pistas de onde a cantora possa estar. No teto? Debaixo de alguma cadeira? Mas, ao meu lado?! Essa é a última alternativa para eu adivinhar. Até que em meus ouvidos penetra a voz tão de pertinho de Juliana Stanzani. Não contenho o sorriso da deliciosa surpresa. Ela deixa o espaço vazio ao meu lado para ocupar o palco. Acordes dissonantes, clarone acompanhando a flauta, criam um clima misterioso e ao mesmo tempo divertido. Converso com Juliana sobre como foi passar um tempo ensaiando nessa reunião de grandes músicos. Ela me revela: “É quase intimidador, porque são pessoas que enxergo como fã, que admiro muito. E dividir o palco é emocionante pra caramba. Foi fabuloso, o clima lá no camarim estava maravilhoso”.

Foto: Pedro Henrique Rezende
A energia do palco transmite a sensação de que estão ali fazendo o que amam. Os músicos abraçam fortemente Luizinho a cada participação, trocam olhares e sorrisos também, tem espaço até para alguns sambarem sutilmente enquanto ecoam os instrumentos. Dentre as músicas, de repente uma charada: Infinito em Pé. Luizinho faz uma brincadeira com as letras junto à participação do violeiro Fabrício Conde, da flautista Salomé Viegas e mais 11 músicos preenchendo a cena. A canção a seguir é Falas Perdidas, sobre a intolerância e falta de paciência, com Ricardo Itaborahy no piano e as belíssimas vozes das moças com flores enfeitando os cabelos.
Após o concerto, venho conversar com Bruna Marlière. Ela conta que conheceu Luizinho quando estava cantando, acompanhando seu pai ao violão, em um bar da cidade. É a voz de O Sol Não Arreda do Sertão, que começa com apenas voz e os instrumentos vão chegando aos poucos. “Quando o Luizinho me convidou e me falou quem iria participar do show, eu respondi: Luizinho, você tem certeza que você vai me chamar? Porque só tem gente fera, monstros da música. E aí estava eu aqui, no meio desse pessoal ensaiando. É uma pressão muito grande e muito boa ao mesmo tempo. Porque não é sempre que você pode cantar acompanhada de tantos músicos bons! E fora que tem o repertório do Luizinho de músicas tão maravilhosas. Só sei falar que eu não consigo descrever, mas é uma sensação muito boa!”. Conta, Bruna.
O show de lançamento do CD, Pontualmente às 3, será em Juiz de Fora, no primeiro semestre de 2016. Enquanto isso, Luizinho Lopes irá acompanhado de sete músicos, dia 1° de outubro, em Belo Horizonte. E já tem presença confirmada em abril, no FIPLIMA: Feira Internacional de Poesia de Lima (Peru), em que oitenta poetas do mundo todo foram convidados. Nessa ocasião, Daniel Drummond e Bré Rosário irão acompanhar Luizinho em um teatro para um público de cinco mil pessoas.
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