Odilê, Odilá
- Carlos Fernando Cunha
- 6 de out. de 2015
- 2 min de leitura

Foto: Laura Jannuzzi
Tenho dificuldades em lidar com a expressão música autoral. Por sua aparente obviedade, pois se a música foi elaborada por alguém, necessariamente, está presente o autor, a autoria. Toda música é autoral, portanto. Implico com a expressão, não com a discussão que ela suscita, necessária que é. Então largo a implicância de lado para seguir em frente.
Faça um exercício antes de prosseguir com a leitura deste texto. Ligue o rádio ou conecte-se a uma estação qualquer via internet. O que está tocando? Muito provavelmente, uma música cantada. Muito provavelmente, uma música com três a quatro minutos de duração. Muito provavelmente, uma música tonal. Muito provavelmente, uma música com forte refrão. Acertei? Muito provavelmente.
A gênese do fenômeno está no século retrasado, quando o capitalismo produziu uma nova estrutura sócio-econômica e a emergente burguesia começou a se interessar por uma música mais ligada ao lazer urbano, ao entretenimento. Nasceu a Música Popular! Ao tempo em que se esparramou pelos cantos do mundo, através do rádio, do gramofone, dos discos, a música assumiu contornos definidos, padronizados. Ação da indústria cultural. Enquanto mercadoria a ser distribuída, massificada, vendida, a música popular adquiriu padrão definido de formato e conteúdo. Aquele que você escutou na rádio agora há pouco, muito provavelmente. A tal música no formato de até quatro minutos, tonal, cantada e com refrão.
Não há qualquer julgamento de valor neste exercício de pensamento. É boa ou ruim a música que você ouviu agora há pouco? Esta é uma outra discussão. Meu interesse está em refletir sobre os motivos pelos quais a música popular foi aprisionada numa determinada estrutura e em que isso implicou. Implicou na exclusão do autor da música diferente? Implicou na conformação de um consumidor de música alienado? Implicou na conformação de um autor de música passivo?
Sim e não. Sim, porque, em geral, isso se deu, isso se dá. E não, pois rebeldia e inconformação são traços presentes em muitos seres humanos, incluindo autores e consumidores de música. Eles se juntam, eles se acham, eles abrem frestas, eles resistem, eles criam avenidas, buscam independência. Assim, tamo junto na defesa da tal música autoral. Porque defendê-la significa, em última análise, interceder pela liberdade de fazermos e ouvirmos a música que bem quisermos, também aquela de até quatro minutos, tonal, cantada e com refrão, os sambas que eu faço.
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