Andarilhando com Raí Freitas
- Pedro Henrique Rezende
- 1 de out. de 2015
- 6 min de leitura
Filho de um cartunista e uma musicista, nascido em minas e criado aos pés da usina, o estudante de Ciências Humanas da UFJF acabou por se tornar um andarilho. Mas a história não é nada trágica. Raí Freitas, o rapaz criado num caldeirão de influências, começou a escrever sobre "o agora", juntou um dinheiro vendendo palha italiana, gravou o EP "O Adarilho" e topou dividir todas experiências com a gente.

Foto: Divulgação
P: Quando você compôs sua primeira música e achou aquilo bom?
R: Que eu falei que tava bom? Ano passado. Não, em 2013. Mas assim, não é escrotidão com a própria música. Eu componho desde 2008, então não é possível que até 2013 eu achei tudo uma bosta. Mas a primeira música que eu falei "Cara, isso aqui tá maneiro!", ela inteira do começo ao fim, foi em 2013 e é "Canto Torto". Hoje eu não gosto das músicas que eu compunha em 2008, mas acho que faz parte do processo natural de compor. E aí você vai aprimorando.
P: Essa questão com "Canto Torto" já foi no processo de gravação do EP?
R: Já tava começando a gravação, cara! E a princípio o EP teria três músicas: "Holograma", "Hábitat" e "O Andarilho". Mas como a venda de palha italiana "bombou"em Juiz de Fora, nós fomos acrescentando… (risos) E a música veio nesse processo, no meio do caminho e eu falei que ela teria que entrar também.
P: Enquanto não finalizar a música você faz alterações o tempo todo?
R: Eu sou muito preguiçoso com isso. Agora que eu tô começando a ter um aprimoramento maior com letras então fica aquela sensação de que eu poderia ter feito um pouquinho melhor, com um primor maior. Mas geralmente não é assim. Voltando ao exemplo de "Canto Torto", essa música aconteceu de uma forma quase que mediúnica, tanto que quando eu comecei a escrever eu não sabia como ela iria acabar. Não existe muita norma.
P: Quando você escreve geralmente é motivado por inquietação, necessidade, desabafo ou algo nesse sentido?
R: Já fui motivado por muita coisa. Já escrevi músicas "na bad" assim como já escrevi quando estava tranquilão e não tinha mais nada para fazer. O que há de comum, eu acho, são algumas impressões minhas. Eu dificilmente trato de personagens. É claro que o eu lírico acaba sendo um tipo de personagem, mas quando isso acontece eu reviso a minha música pra me entender e recordar do momento anterior. Mas são sempre impressões minhas e elas são muito claras no momento em que eu escrevo.
P: Por você ter nascido num ambiente artístico, provavelmente já te perguntaram se isso te influenciou de alguma forma. Como a resposta é evidente, gostaria de perguntar o contrário: Isso te incomoda de alguma forma?
R: Não me incomoda, não! Dá pra entender quem se incomoda, mas eu não tenho esse problema. Eu acho muito bom, porquê meus pais nunca me colocaram isso "goela abaixo". Meus pais até sofrem um pouco com os funks que eu ouço! (risos) E eu acho que isso tem a ver com toda a criação, não só com a música. Então eu tive acesso a muitas coisas mas nada me foi forçado. E como eu sou um cara muito teimoso, acho que se fosse forçado eu não faria.
P: Desde que você começou a compor, lá em 2008, já tinha uma vontade de ter esse material gravado algum dia ou isso foi amadurecendo com as composições?
R: Isso aí é influência direta de amigos. Eu sempre me coloquei muito pra baixo, mas felizmente durante a minha vida apareceram pessoas que me estimulavam. Teve um fato marcante que me fez mudar essa ideia que eu fazia, que foi a música que eu gravei por pressão do Jeffei (baterista da banda que o acompanha), meio love song que era "4 do 10". E teve um retorno espantoso para a época, porque ninguém me conhecia direito. Eu já disponibilizava umas músicas no 4Shared, mas só para meus amigos, e a música começou a dar retorno de vários estados. Depois eu até entrei numa crise com essa música, porque eu já achei que aquilo não era o que eu queria fazer. Mas quando eu vi o retorno eu pensei: "Que direito eu tenho de não gravar essa música?". Isso foi só o start, depois o Jeffei continuou "botando pilha" para gravar o EP.
P: Agora, com "O Andarilho" em mãos, o que muda? Pra onde você vai caminhar?
R: Eu estou pensando só em tocar. Sempre foi assim comigo, eu nunca me movimentei demais e acho que isso é sorte minha. As coisas sempre foram acontecendo na hora certa comigo. Claro que eu não vou negar oportunidades, mas eu não penso em largar a faculdade e viver só de música, por exemplo. Até porque eu sei que tem muita gente interessada em levar o show pra vários lugares, mas falta recurso tanto para quem organiza, quanto para quem toca.
P: Viver transitando pelo eixo Juiz de Fora/ Volta Redonda faz com que as duas cidades tenham importâncias diferentes na sua vida. Sua relação com Volta Redonda seria a de um reduto de influências estabelecido, no qual você atua mais ativamente no meio cultural, e Juiz de Fora seria aquela visão de "Cidade Grande" e cinza, necessária pras suas composições?
R: Você tá quase 100% certo. Eu sou muito mais próximo da cultura enquanto movimento em Volta Redonda, por conhecer mais as pessoas envolvidas, a banda que toca comigo é de lá e Juiz de Fora representa a cidade em que eu estudo. Eu quase não saio aqui porque a rotina da faculdade cansa. E eu também não sou muito da "gandaia", então eu não tenho muito pique. Acaba que "VR" é mais acolhedora, enquanto Juiz de Fora é mais aquela vivência de "Holograma", até pelo lugar onde eu moro (em pleno calçadão da Rua Halfeld).
P: O que toca no seu fone hoje?
R: Hoje eu costumo escutar artistas que se preocupam muito com a música, mas que se preocupam mais ainda com o que é dito junto da música. E uma dessas bandas é do pessoal que gravou meu som, no estúdio Casa, que é o pessoal da banda "Amplexos". Essa vibe sempre agradou muito. Quando eu mudei para Juiz de Fora veio o "El Efecto", ano passado eu descobri "Síntese" e além desses, todas as pessoas que me cercam me influenciam muito, porque cada um tem uma vivência.
P: Nessa nova dinâmica do mercado musical, as pessoas compram, fazem download, e costumam ouvir as músicas individualmente, o que acaba quebrando a construção de sentido que todas as músicas de um álbum possuem entre si. Qual é a construção das músicas d'O Andarilho?
R: Por mais que sejam músicas de estilos bem diferentes entre si, a questão das letras é um ponto em comum entre todas elas. As letras tratam de momentos em que eu me questionava muito sobre a questão temporal do agora. Eu usei a metáfora do andarilho pra tentar conceituar o presente. Quando um ser humano habita uma cidade completamente estranha, ele deve no mínimo estar sempre atento a tudo. E isso não ocorre só por medo, mas pelo desejo de compreender o funcionamento das coisas naquele lugar. Mas esse "agora" é a semente pra vários outros frutos de ideias que estão em cada música.
P: Qual foi o surto de empreendedorismo que te levou a vender palha italiana para financiar seu trabalho enquanto artista?
R: Era a opção que me restava. Quando eu era moleque em Volta Redonda nós passamos um "perrengue" de grana, e na época o passe (de ônibus) não era esse cartão magnético, eram papeizinhos. Então minha mãe fazia palha italiana e eu trocava por passe na escola. E isso sempre ficou na minha memória. Tanto que, quando eu vim pra cá (Juiz de Fora) eu pedi para ela me ensinar a fazer e disse que venderia para bancar o disco. A palha não foi a grande parcela que pagou o disco, mas ela me ajudou a não gastar o dinheiro que estava "entrando" para a gravação. Ela basicamente garantiu a minha sobrevivência em Juiz de Fora.
P: Como você vê a atuação da internet nessa nova dinâmica da música?
R: No meu caso foi um incentivo. A internet possibilitou que eu criasse uma rede com meus amigos, onde eu disponibilizava minhas músicas pra download, a galera ia lá e baixava e aquilo era meu público. Foi numa dessas que "4 do 10" começou a ter um alcance e um retorno maior e eu comecei a pensar mais na minha "missão" enquanto músico. E tem a liberdade também. Eu não cheguei a conhecer uma outra dinâmica, mas sou muito grato à internet por poder fazer e divulgar meu trabalho do meu jeito, sem ter que mudar uma coisinha aqui e outra ali.
P: E a venda de palha italiana, volta quando?
R: Volta com as aulas! (risos)
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