Por uma cena sustentável e sem aspas
- Wendell Guiducci
- 20 de out. de 2015
- 4 min de leitura

Foto: Pedro Henrique Rezende
Os roquistas autorais de Juiz de Fora já podem parar de se lamuriar. A realização do Festival Sem Paredes, nos dias 14 e 15 de novembro, e do Circuito Autoral Regional, em quatro datas ao longo do mês de dezembro, é sintomática de uma nova realidade na "cena" local. Se ainda podemos - eu me incluo no rol dos velhos roquistas - reclamar de muitas coisas, espaço para tocar não é uma delas. Ao longo dos últimos meses, mesmo ainda se rendendo aos covers caça-níqueis, os artistas locais têm se organizado em seus próprios festivais e eventos, driblando a preguiça e a má vontade de algumas peças da engrenagem, equilibrando assim a oferta de apresentações entre tributos e shows autorais.
Escrevo "cena" entre aspas, né? Explico. Não entendo que Juiz de Fora tenha uma cena. Ela talvez esteja se formando, mas ainda não se consolidou. No meu entender, o conceito de cena presume alguns aspectos que ainda não atendemos em sua totalidade. O primeiro e mais importante, que é uma produção autoral constante, já alcançamos com louvor. De alguns anos pra cá, não passa um mês sem que uma ou mais bandas lancem na cidade um single, um clipe, um compacto, um disco.
Outro vetor é lugar para tocar. Disso ninguém mais pode reclamar. Praticamente todas as casas que tocam rock em Juiz de Fora hoje abrem espaço para o autoral, algumas com mais frequência, outras com menos. Mas abrem. A estrutura nem sempre é a melhor, mas é raro um final de semana em Juiz de Fora hoje em que você não tenha uma banda tocando seu próprio som, que seja para 50 pessoas. E se me permitem dizer, isso é um mérito mais dos grupos e de alguns poucos produtores do que dos empresários da noite, preocupados basicamente com gente pagando ingresso e consumindo bebida (naturalmente, porque gerenciam um negócio que visa ao lucro), nem tanto com a música. E a teimosia dos grupos tem convencido a maioria deles, empresários e produtores, de que, financeiramente, pode ser um bom negócio.
E é aí que chegamos no calcanhar de Aquiles da "cena" hoje. O calcanhar direito, porque o esquerdo é a questão do alcance de público. Mas isso é assunto para outra coluna. Vamos nos ater aqui ao calcanhar direito, que é a questão financeira. Já temos as bandas, temos as músicas e temos os palcos. Mas ainda não somos sustentáveis. Para pagar o estúdio de ensaio, para gravar o disco, para fazer o clipe, você não pode depender dos R$ 100 que cada banda ganha ao final daquele festival maneiro em que adorou tocar. Então você terá que:
a) pedir pro seu pai;
b) assaltar um posto de gasolina;
c) ganhar o incentivo da Lei Murilo Mendes;
d) tocar um tributo ao Foo Fighters ou qualquer outra zoofilia similar. Mas tocar muitas e muitas vezes.

Foto: Pedro Henrique Rezende
Do contrário, vai ensaiar na garagem, filmar o clipe no Samsung Galaxy Ace, editar no Movie Maker e gravar o CD em casa, no computador do seu irmão, cheio dos emuladores, pedir pra um brother mixar na camaradagem e queimar os discos lá na Prensa. Que também é muito válido, naturalmente. É punk. Do it yourself. Já fiz isso - queimar CD na Prensa, porque com a gravação sempre tive o cuidado de esperar o tanto que fosse para gravar direito, em estúdio, com produtor e tudo mais. Aquilo fica pro resto da vida, tem que ter carinho.
Mas o fato é que a "cena" autoral de Juiz de Fora ainda não é sustentável. A casa ganha dinheiro. Lembrem-se disso, é a Lei de Vegas: a casa NUNCA perde. O produtor ganha dinheiro. Falo de cadeira, porque já produzi como banda, ganhando como banda - ou seja, quase nada -, e já produzi como "produtor", e ganhei muito mais que como banda. Os artistas, as "estrelas do espetáculo", são os que menos ou nada ganham. Salvo em festivais muito bem estruturados, geralmente aqueles feitos com recursos de leis de incentivo, na maior parte das vezes os grupos têm que arcar com divulgação, com equipamento de som e luz, rachar a grana da portaria com a casa e com as demais bandas (evento independente BOM tem que ter mais de uma banda sempre). Quando não é isso, têm que se sujeitar a cachês que, quando divididos, dão R$ 50, R$ 70 por músico. Isso paga um jogo de cordas?
Entendo que sempre haverá bandas novas que precisam tocar sob qualquer circunstância para "divulgar o trabalho", aquelas bem no comecinho da vida, que nem sabem se vão durar um mês, um ano ou uma década. E que alguns eventos de caráter beneficente ou educacional mereçam a abnegação - e até o exemplo - dos mais cascudos. Mas aqueles que já têm uma história consolidada, aquelas locomotivas que puxam o trem doido do rock juiz-forano, essas precisam ter seu trabalho reconhecido. Essas não têm mais que pedir favor e, guardado o sagrado dever da humildade, não podem tocar simplesmente "para mostrar o seu trabalho". Temos que ser sustentáveis.
O lugar da música autoral de Juiz de Fora ainda é o underground. Talvez eu esteja almejando o inalcançável e o lugar da rock autoral seja mesmo o submundo, os bares pequenos, os pequenos públicos, a estrutura mambembe, "nadando contra a corrente só pra exercitar cada músculo que sente". Pode ser que seja isso. Mas eu vislumbro a possibilidade de um cenário melhor, que leve mais público, que gere mais dinheiro, e que esse dinheiro seja mais bem dividido, com casas, produtores e artistas ganhando satisfatoriamente para se autossustentar e, assim, sustentar uma cena. Sem aspas.
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