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Globo Repórter

  • Júlia Pêssoa
  • 27 de out. de 2015
  • 3 min de leitura

Foto: Pedro Henrique Rezende

Dia desses estava pensando sobre a vitória-régia. É aquela planta que parece ter uma folha gigante, típica da Amazônia, e que pessoas como eu certamente só conhecem pelos desenhos animados, o Globo Repórter e como a banda que por anos a fio viveu a dor e a delícia de dividir um palco com o gênio Tim Maia, excêntrico e perturbado como os gênios devem ser. Não sei se aprendi com o Sérgio Chapelin ou se li em algum lugar, mas sei que elas podem aguentar até 40 kg nas suas folhas, algo impressionante para uma planta flutuante, na qual a gente nem se lembra no dia a dia, só porque está na Amazônia, este território que é nosso, mas a maioria nunca visitou, nunca contemplou, nunca viveu.

Quando era criança, eu tinha certeza que ia ser artista. Fiz aula de pintura, escultura, balé, sapateado, jazz e tudo que se pode dançar, e vivia querendo fazer teatro. Adorava isso tudo, mas a paixão mesmo era a dança. E eu era boa, viu? Jamais seria profissional, porque não tinha a disciplina nem o corpo que o ofício exige, mas, modéstia à parte, eu sabia fazer o público me notar, além de ser muito dedicada. Por conta do compromisso com as sapatilhas, nunca fiz teatro, e hoje me arrependo um pouco, mas não muito, porque acho que me apaixonaria perdidamente. (E toda paixão pode ser avassaladora para bem ou mal).

Outra dorzinha de cotovelo que carrego é o fato de não saber tocar um instrumento. Outro dia falei sobre isso com um amigo, que retrucou com o clássico "nunca é tarde para aprender". Concordo inteiramente. Mas minha frustração é exatamente essa. Aprender é possível em qualquer etapa da vida, mas eu queria ter chegado aos meus 30 anos já sabendo tocar alguma coisa com certa destreza (insira aqui sua piadinha sexual para que sigamos com o texto), mas acredito que até minha campainha seja chata.

Cheguei a fazer aula de piano e teclado quando criança, mas, impaciente e pretensiosa que já era do alto dos meus 9 anos, ficava contrariada em ter que aprender partitura e tocar "Cai-cai-balão" e um bando de cantigas de roda. Qual era o sentido disso, se eu chegava em casa e tirava de ouvido Paralamas, Titãs e outras músicas "de adulto", mas "de jovem" da época? Demorou muito pra mim. Meu balão caiu, o boi da cara preta me pegou, continuei sem achar água no Tororó e larguei as aulas, que pareciam não sair daquilo. E hoje morro de inveja ao ver qualquer pessoa transformando em música o toque em um instrumento.

A distância entre mim e quem está por aí, dando a cara a tapa e vivendo de música não é somente o talento - e sim, ele faz toda diferença. Muito além dele, existem horas a fio de dedicação, estudo e persistência: aprender o que não se gosta para ter a autonomia de fazer, em um futuro, o som desejado. Toda vez que vejo gente fazendo música em um palco, um canto, uma praça, penso nas pequenas e grandes privações que permitiram que estivessem ali. Quase escuto os parentes dizendo "Mas você pode ter uma profissão e fazer música como hobby", ou semiconhecidos pensando que a vida na noite é uma festa. (Talvez pra quem senta às mesas sim - mesmo assim nem sempre). Mas há - ainda bem- quem saiba resistir.

O que separa quem vive (ou tenta viver) de música de nós, que vivemos de outras coisas, talvez seja o Globo Repórter. Talvez eles tenham visto Sergio Chapelin falar que é possível viver cercado de beleza se você puder resistir a um peso quase insuportável, muitas vezes maior que o seu próprio. E é por isso que há tantas flores lindas desabrochando por aí, a despeito de todo peso que carregam.

 
 
 

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