Aguardela: múltiplas sensações
- Carime Elmor
- 5 de out. de 2015
- 4 min de leitura
Fui apresentada à Aguardela por um colega há menos de uma semana, enquanto conversávamos sobre a música autoral de Juiz de Fora. Na mesma hora que dei play e começou a tocar Caminhos, me apaixonei pela mistura de vocais feminino e masculino. Sem falar na melodia envolvente, com um toque misterioso, bateria marcando um mesmo compasso do início ao final, totalmente experimental com uso de sintetizador.
Esse texto é um relato dessa minha descoberta. Sabe aquela sensação de “como eu não conhecia isso antes!” e depois durante os próximos dias você só quer ouvir repetidas vezes? Está sendo assim mesmo. Escrevo enquanto escuto. Agora, por exemplo, está tocando Pólen, que parece ser quase que um samba enredo, mas depois os riffs de guitarra mudam totalmente o estado inicial da música. É disso que eu gosto em Aguardela, a liberdade de criação. Essa música é um bom exemplo, começa com um dedilhado no violão e a voz bem grave de Pedro Salim, e aí vem a primeira virada que a transforma em um ritmo carnavalesco, despertando a vontade de sambar. De repente, a segunda virada: o 3º ato é rock’n’roll misturado com algum ritmo que me pareceu ser um swing latino.
Sem me dar por mim, já estou conseguindo cantar alguns versinhos da Cantiga de Meia volta. Nessa composição, após o dedilhado no ukulelê, percebo uma influência de violão espanhol e por aí os mesmos versos vão sendo cantados acompanhando a mudança de velocidade e ritmo. O clipe feito pelo Fábio foi gravado e editado usando um Iphone, através de um aplicativo que simula uma Super8.
Pedro Salim, Dani Santos, Thiago Oliveira e Zuzu são de Juiz de Fora, e Fábio Nascimento permaneceu por aqui alguns anos enquanto estudou na Facom, na mesma faculdade que eu estudo hoje. São amigos desde o início da juventude, mas esse encontro para a formação da banda se deu na França, enquanto alguns deles moravam por lá ou em outros cantos da Europa. A mistura de sonoridades nas composições são incorporações, vão absorvendo musicalmente os lugares que conhecem e fazem o som à maneira deles. Assumem muitas identidades ou não assumem nenhuma, são o que querem, o que escutam e executam em composições múltiplas que tem como base uma banda de rock com baixo, guitarra e bateria.

Foto: Nereu Jr
Todos os membros estão conectados pela Aguardela, mas possuem inúmeros outros projetos ligados à arte. Achei o telefone de dois deles no site da banda; o da vocalista Daniela e do baterista Fábio. Liguei um pouco envergonhada, mas pela minha surpresa, apesar de estarem em um final de semana movimentado, atenderam e consegui descobrir muito mais sobre a banda. Fábio estava no sul à trabalho e durante uma corrida de táxi em um trânsito engarrafado, recebeu meu telefonema. Além de muitas histórias que vou contar aqui no texto, ele me falou sobre o nome da banda e do álbum ser uma homenagem ao João Aguardela. Baixista da banda Naifa, portuguesa, que toca Favo, ritmo que Pedro Salim gostava muito de ouvir e que o influenciou muito nas primeiras composições. Pedro é quem compôs as músicas, e os arranjos foram sendo feitos de forma coletiva, ajudando ainda mais nessa miscelânea de referências.
Além da mistura de ritmos, as músicas brincam com algumas línguas. O Português é o mais cantado, mas Vers, a mais rock’n’roll, é cantada em francês. More, talvez seja a que represente essa sonoridade que eles construíram no álbum, há muita mistura. Como o Fábio disse, as pessoas dançam e batem a cabeça em uma só música. Português, Inglês, Francês e até Croata aparecem na letra. Oá é a mais sensorial, só escutando mesmo para sentir. O clipe intensifica ainda mais essa experiência. Pedro conseguiu imagens de telescópios da NASA, a partir daí, para ficar esteticamente mais bonito, usou as imagens negativas. É uma viagem espacial.
Aguardela tem muito dessa característica que está tomando vários músicos e bandas: os integrantes são multi-tarefas, oscilando entre compositores, produtores, artistas gráficos, arranjadores e produtores do próprio material audiovisual. Até mesmo nas músicas, tocam vários instrumentos diferentes. Fábio é baterista, mas foi ele quem fez os teclados. Pedro é vocalista e toca ukulelê, mas ele, junto com Zuzu, baixista, fizeram as guitarras de Oá, única gravada em HomeStudio. Thiago fica responsável por violão, guitarra e sintetizador, mas tocou ukulelê e bateria eletrônica na gravação de Pólen e, ainda, fez a arte da capa do disco. Além disso, para a clarineta e flauta transversa, houve a participação da Gab Marcondes e o Tonil Braz foi o guitarrista de Vers e More.
A banda surgiu em 2012, ano em que enviaram um projeto para a Lei Murilo Mendes. Em 2013 Aguardela estava pronto, gravado, masterizado e mixado com capricho, a fim de obterem como resultado um bom acabamento sonoro. A gravação foi feita no Estúdio Cantos do Trilho, no Rio de Janeiro, por Pedro Garcia e a masterização em Seattle, EUA, por Chris Hanzsek. Em 2014 seguiram fazendo vários shows, principalmente no Muzik em Juiz de Fora, em Belo Horizonte e no Rio, que hoje é considerada a “casa” da banda. No momento, Aguardela está em “stop”, mas dentro de um mês pretendem voltar desse hiato, e já estão com algumas composições prontas que podem se tornar faixas para o próximo álbum, “seguindo esse caminho que não é um caminho. Essa busca, com muita experimentação”.
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