Dulhodágua: improvisando até o Circo Cigano
- Carime Elmor
- 19 de nov. de 2015
- 3 min de leitura

Foto: Carime Elmor
Gosto de usar a palavra “improvisar” no gerúndio por ser a forma gramatical que mais traduz a semântica desse ato de fazer no agora, pensado no momento em que se cria. Ou talvez, nem sequer pensado. O improviso apenas sai, como sentimentos puramente escapados para fora. Com o Duolhodágua é assim: grande parte das composições do novo disco Circo Cigano foram criadas na espontaneidade. O próprio texto contido em um dos encartes do CD diz que cada uma das músicas “são um pouco da maneira como enxergam e se relacionam com a Vida e a Arte”.
O trio é formado por Alexandre Moraes no violão, André Oliveira no violino e Lula Ricardo, no baixo. Cada um tem um cardápio de influências musicais a oferecer. Ao final, ou no momento em que estão sendo feitas as canções, esses fluxos conectam-se, costuram-se e tornam-se um só trançado. Não se preocupam com categorias. O limite não lhes interessa; a ideia é de expansão do pensamento. “É um trabalho um pouco diferente: não é Jazz tradicional, mas também não é música popular. É um negócio misturado, mas acaba que as coisas confluem e sai dali uma tradução, uma música interessante”, me conta Lula Ricardo.
O sentimento que me passam na apresentação é o de que não estão centrados apenas na questão técnica da música. É como se o corpo deles estivesse tomado pelo instrumento a ponto de estarem unidos em uma só coisa, que transborda um som instrumental com característica muito única, simplesmente porque transmitem o que são. Nessa experimentação ao vivo, muitas músicas foram feitas pelos lugares que passaram. Alexandre Moraes, inclusive, explicou-me que decidiram fazer o CD para não esquecerem as músicas que só ficam na memória. Circo Cigano foi, então, uma espécie de registro do que o trio vem compondo.
Outra proposta do grupo é fazer com que o trabalho saia apenas da ideia da música. Para isso, comunicaram-se com o teatro, a fotografia, o bordado, a poesia, a dança, a escultura, e por aí vai. Dulhodágua está na fronteira entre tantos gêneros musicais, mas também entre diversos formatos de arte. O álbum foge da normalidade por vir embalado por uma bolsinha tiracolo jeans, com o símbolo do trio bordado em linha fina. Ao abrir a bolsa, encontramos encartes, que assemelham-se a cartas ciganas, sendo cada uma delas obra de um artista diferente. “A gente convidou dizendo: você tem uma carta na nossa história. Essa carta é de responsabilidade sua. Manifeste-se como queira. Cada artista fez o que quis naquele espaço, não alteramos, nem editamos nada”, explicou André.
Na conversa que tivemos, o violinista falou dessa confluência entre sua música e uma peça de teatro de Norberto Presta. Assistindo a uma apresentação do Duolhodágua, nesta mesma casa onde foi o lançamento do CD – Cervejaria Barbante –, Norberto os convidou para fazer a trilha de seu espetáculo Cachorro Dançante, que também é o nome da faixa que está no álbum. Na carta respectiva a essa faixa, há uma parte do texto da peça e uma foto do ator e diretor em cena. Há cartas com desenhos dos filhos dos músicos também; outra apresenta uma escultura do Mauro Alvim, que se tornou a arte impressa na mídia física; e até mesmo uma receita faz parte dessas intercessões artísticas.
O primeiro momento da noite de celebração foi apenas de músicas autorais do Circo Cigano, o segundo ato foi de repertórios envolvendo Edu lobo, Beatles, Led Zeppelin, Villa-Lobos e outras influências. Para abrir o concerto, Gabriela, esposa de Alexandre, e título de uma das músicas, apresentou-os através de uma poesia falada. Logo no início revelaram ao público a história da coincidência de um réveillon em Ibitipoca, em que André e Alexandre encontraram-se por acaso e compuseram Andorinhas, música que abre o CD. Porto Inseguro também carrega um contexto interessante: os dois passaram uma temporada juntos na cidade de Porto Seguro, morando em um local pequeno, onde naturalmente começaram a conversar através do violão e violino.
Não houve um processo criativo para que o CD saísse. Tudo ocorreu naturalmente ao longo de seus encontros em concertos que fazem juntos. André afirma que não haveria disco se tivessem ido por esse caminho muito planejado. Com eles funciona diferente, tudo fruto da facilidade e sensibilidade que cada um tem com a música e seu instrumento. A escolha de uma bolsa como embalagem foi uma tentativa de não ser apenas mais um CD como qualquer outro. Chegaram à conclusão de que, se fosse para ser em caixa normal, prefeririam não lançar. O resultado dessa experimentação pode ser visto como um grande diálogo que o Duolhodágua abriu com outros artistas. Suas músicas são instrumentais, porém há uma tendência ao popular, ao groove, algo capaz de ter feito alguns dançarem. É um instrumental menos erudito, mais acessível, que chega facilmente aos ouvidos das pessoas.
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