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Daqui da nossa aldeia

  • Wendell Guiducci
  • 3 de dez. de 2015
  • 3 min de leitura

braço-violão

Foto: Pedro Henrique Rezende

Lá pelos idos de 2000 e Britney Spears, trabalhando a serviço da Tribuna de Minas, tive um agradável papo por telefone com Humberto Gessinger, que estava lançando, se não me falha a calva, o álbum "Surfando karmas & DNA", dos Engenheiros do Hawaii. Conversando sobre a indústria, que àquela época já sofria na carne os efeitos negativos do compartilhamento de arquivos através da internet e obrigava a reestruturação do modelo do negócio música, ele disse uma coisa que me pareceu extremamente lúcida, não sei se exatamente com estas palavras: a melhor saída para os músicos independentes é a regionalização. Hoje, quase 15 anos depois, e justamente neste mês em que a rapaziada se junta no Circuito Regional Autoral, a observação de Gessinger nunca me pareceu tão oportuna.

Por melhor que uma banda seja, você não irá vê-la toda semana. Se os Rolling Stones se apresentassem toda sexta-feira com couvert a dérreal durante um ano no Bar do Bené, por mais que eu ame os Rolling Stones, eu não iria vê-los direto. Em Juiz de Fora, os grupos estão presos ao circuito Cultural-Muzik-Bar da Fábrica-Galpão-Maquinaria que, embora seja um excepcional circuito, muito melhor que os da maioria das cidades onde tive o privilégio de tocar - e inclua algumas metrópoles aí -, pode ser extremamente nocivo: se o artista hypado consegue agenda em todos este lugares com grande regularidade, corre o risco de ser engolido pela superexposição e, em pouco tempo, ser descartado como o bagaço da laranja. E aí não dá para culpar o público. Portanto a necessidade de parcimônia na hora de montar a agenda em sua própria aldeia. E, tão importante quanto isso, abrir novos horizontes, buscar outras cidades onde se apresentar. É neste ponto que as bandas locais têm um desafio a vencer: salvo poucas exceções, nosso horizonte pára na BR-040 e nas margens do Paraibuna entre a ponte do Manoel Honório e o Viaduto Augusto Franco. Se não alcançamos sequer os bairros, imagina chegar a Trêrrí.

Ver no material de divulgação do Circuito Regional Autoral bandas de lugares como Ubá (Lexuza), Santos Dumont (Jane), São João Nepomuceno (Doisó), Valença (The Black Bullets) é animador. Porque tão importante quanto sairmos daqui, é trazer para cá grupos das cidades vizinhas. Arejar a cena. Vamos a Bicas, Matias Barbosa, Visconde do Rio Branco, Muriaé, Petrópolis, Barbacena, Rodeiro, Tabuleiro, Rio Pomba, Cataguases, Leopoldina, São João Del Rei, Ervália... vamos rodar. Promover intercâmbio com os grupos destes locais. Criar um verdadeiro CIRCUITO REGIONAL AUTORAL. Isso aumentaria as oportunidades para muita gente da cadeia produtiva da música independente, colaboraria decisivamente para a ampliação de público e para a sustentabilidade de uma cena regional.

Imagina só esse festival massa - que foi idealizado pela Glitter Magic, abrigado pelo Galpão, bancado por meio de crowdfunding e sagazmente tem entrada gratuita - evoluindo e acontecendo simultaneamente em, digamos, quatro cidades da região durante todo o mês de dezembro? Não seria lindo? Ou um festival itinerante que passasse por vários municípios vizinhos? Um Lollapalooza da Roça, já pensou? Mas para que iniciativas dessa natureza avancem de projeção para realização é preciso que as próprias bandas, individual ou coletivamente, se articulem com produtores, empresários e botequeiros, expandam seus horizontes geográficos. Metam o pé no poeirão da estrada.

O impacto do Circuito Regional Autoral e seu poderoso conceito - e atenção a esse conceito, à regionalização - não deve ser subestimado, pois pode ser um marco para a música dessas paragens. Não pode ser visto apenas como mais um festival. Seu poder de mudança, entretanto, vai depender da vontade e da capacidade de articulação dos maiores interessados. É muito lindo tocar no Rio, em São Paulo, em Belo Horizonte, em Curitiba, em Blumenau, Joinville, Uberaba, todos querem - e devem querer! -, mas consolidar uma cena sustentável na Zona da Mata é primordial. Promovendo esta integração, daqui mesmo poderemos ver e ser vistos de bem mais longe. Como dizia o poeta, "a minha aldeia é grande como outra qualquer, porque eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura" (Fernando Pessoa, que nunca gravou disco, mas sabia das coisas).

 
 
 

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