Sobre chuvas e quintais
- Júlia Pessôa
- 10 de dez. de 2015
- 3 min de leitura

Foto: Pedro Henrique Rezende
Definitivamente, não fui talhada para o verão. Admito, adoro praia, piscina e cervejinha gelada descompromissada em um belo dia de sol, mas funcionar no verão fora de qualquer opção de lazer é um suplício e uma tortura que preciso enfrentar diariamente. Das coisas que mais odeio, levam o primeiro prêmio, empatadíssimas, o primeiro lugar, meu suor constante diante das temperaturas em ascensão e a chuva. Sei que precisa chover e sei que tá sendo importante diante da estiagem perigosa que enfrentamos, mas aquele calor úmido dos dias chuvosos, típico de quando o vapor está subindo, é infernal. Sem falar na impossibilidade de deslocamento para os que, como eu, têm o guarda-chuva como meio de transporte fundamental.
Num dia desses em que o céu desabou sobre Juiz de Fora, a chuva me deu um tapa de luvas ou, tropical que é, uma chinelada na bunda, de havaianas, daquela de ficar com as listras carimbadas no traseiro. Como é de costume na minha vida quase ficcional, saí de casa com uns chuviscos e de repente estourou uma adutora meteorológica, e choveu como se Noé fosse, de novo, embarcar cada espécie aos pares. O ônibus, com as janelas todas fechadas, fumegava, e eu suava como um padre no meretrício, doida para sair daquela sauna de respiração (forçadamente) coletiva. Esperei, sob a marquise da Sobel, em São Mateus, pela minha amiga Fefê, por uma meia hora, e a chuva finalmente deu uma trégua. Íamos ao teatro, como gostamos de fazer em sextas em que a preguiça, o cansaço ou a vida adulta não nos vencem.
Chegamos à Casa de Cultura, "Quase nada é verdade" começaria às 20h30, com tolerância de 15 minutos. Não importava. Chovia lá fora mesmo, para meu desgosto, e eu e Fefê tínhamos muito sobre o que falar. Eu poderia gastar todos os meus anos de relação com as palavras tentando encontrar as mais adequadas para descrever como este trabalho, nascido, criado e com as raízes bem fincadas aqui em Juiz de Fora, me arrebatou. Mas só por hoje serei prolixa, e queria agradecer ao diretor Rodrigo Portella, meu conterrâneo de Três Rios, por ter arruinado "My funny Valentine", na voz do Sinatra, pra mim. E estendo ao agradecimento ao Zezinho, Tairone, Licya, Bavuso, Vinícius, Aline, Carolina, Thiago e Mia, que são daqui de Juiz de Fora ou aqui estão, por serem instrumentos dessa destruição. Das janelas da Casa de Cultura, Sinatra explodia entoando os versos clichê por todos os cômodos, e emoções eclodiam também de cada cena, fazendo o temporal que caía lá fora transbordar por meus olhos, copiosamente. Obrigada por negarem à canção a chance de voltar a me emocionar desta forma. Nunca mais acontecerá.
Peço perdão pela ousadia de falar sobre teatro local em um espaço dedicado à música da cidade. Mas a verdade é que pouco importa de que linguagem eu estivesse falando. Lançamos tanto a cabeça para fora da janela em busca do que pode nos tocar que, não raramente, perdemos chances de sermos tomados de emoção pelo que está debaixo de nossos narizes. Embora seja implacavelmente universal, a arte que talvez tenha o maior potencial de falar a nossos corações vem do quintal em que vivemos, de gente que passa pelas mesmas ruas que nós e transforma em teatro, imagem, música ou palavras o que vivemos nestes caminhos. É do nosso cantinho de mundo que vêm as lágrimas que nos emocionam em uma sexta chuvosa. Olhemos para dentro, para o que é nosso.
Comments