Um pouco sobre Toninho Horta
- Fernanda Castilho
- 13 de dez. de 2015
- 10 min de leitura
“Vem comigo é tudo que eu tenho pra dizer Vem comigo e deixa eu me perder Vem comigo, você pode até se arrepender Vem comigo e deixa virar Deixa o coração bater Deixa bater Menina, vem dançar No céu, a lua em serenade No céu, a lua em serenade"
Serenade, Toninho Horta
O primeiro dia do mês de dezembro de 2015 vai ficar guardado na memória e em fotografias e áudios gravados para nossa entrevista. Toninho Horta, o audaz, músico mineiro com vasta carreira musical e um dos nomes do Clube da Esquina, esteve no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), em Juiz de Fora, para o lançamento do livro que traz as histórias da sua vida. Ao lado dele, seu amigo de estrada Petrônio Souza Gonçalves, que também lançou por aqui o livro de poemas “Um facho de sol como cachecol”.

Toninho Horta encantou os que estiveram presentes no Mamm
O livro “Toninho Horta – Harmonia Compartilhada”, escrito por Maria Teresa Arruda, é recheado com casos da infância do artista, histórias de família, momentos marcantes de sua carreira, algumas letras de música e ainda muitas fotos. O lançamento foi um evento à altura da obra. No rolar do bate-papo, Petrônio recitava alguns de seus poemas e Toninho acompanhava com seu violão. Contavam histórias de seus livros, da vida e de seus projetos. Era imperceptível o passar das horas. Parecia até conversa de bar: todos conversando, rindo e chorando também, com os acasos da vida, os encontros inesperados.
Toninho ainda cantou algumas de suas composições. De improviso, os músicos juiz-foranos Gilbert Salles e Márcio Hallack se juntaram a ele pra cantar “Beijo Partido”. Formou-se então o power trio: Toninho no violão, Gilbert na voz e Márcio no piano. A plateia acompanhou tudo atentamente, como se, ao piscar os olhos, algo incrível e efêmero pudesse ser perdido. Extasiada? Mais do que isso!
Depois das apresentações, Toninho e Petrônio receberam o público para uma sessão de autógrafos. Foram várias demonstrações de afeto e admiração. A felicidade estava escancarada no rosto de um jovem que trazia debaixo do braço um disco de Toninho Horta para ser autografado.
Mas esse não seria o final da noite, ao menos não para a Avenida Independência! Chegaria a hora mais esperada: nossa entrevista com Toninho. Confere aí:

A biografia escrita por Maria Teresa Arruda conta histórias da infância e de sua carreira
Avenida: De onde partiu a ideia do livro, de escrever uma biografia sua?
Toninho Horta: Foi muito legal, e o convite partiu dela, né? Convite da Maria Teresa Arruda Campos, que mora em São Paulo. Ela tinha contato com o pessoal da imprensa oficial de lá, e eles estavam com uma série muito boa, de muito sucesso, chamada Aplauso. Daí ela sugeriu pra eles me incluírem. Eles gostaram da ideia e eu também achei interessante. E aí ela ficou durante uns dois anos, ela pesquisou minha vida, ouviu muitos discos, foi no Rio de Janeiro entrevistar, foi em Belo Horizonte entrevistar e quando fui à São Paulo me entrevistou. Então, entre um ano e meio para dois anos ela fez essa montagem dos textos e dos meus depoimentos, isso tudo contextualizando também, em cada época, a minha história musical com o que tava acontecendo. É um livro, assim, de como eu falo da minha formação, da influência familiar que é muito grande, muito também pela proteção.
Av.: A sua primeira composição foi ao lado da sua irmã, não é mesmo?
TH: Isso! Comecei compondo em casa. Foi “Barquinho vem”, e aí a terceira que a gente fez, que foi “Flor que cheira a saudade”, que foi a minha primeira música gravada quando eu tinha quatorze anos.
Av.: Não consegui encontrar a letra de “Barquinho vem” na internet...
TH: Ah, eu vou mandar pra você! Essa música tá até no cardápio... se você for no Bar do Museu Clube Da Esquina, que era o antigo Godofredo lá. Godofredo era avô do Gabriel Guedes, pai do Beto Guedes. E aí eles mudaram o nome de Godofredo para Bar do Museu Clube da Esquina. E lá tem um cardápio que é só letra de música, tem “Manuel, o Audaz”, tem “Travessia” e tem “Barquinho vem” também.
Av.: Conta pra gente sobre suas influências musicais!
TH: Bem, quando comecei eu tocava muita música clássica, minha mãe sempre tocava música clássica em casa, coisas de orquestra, e eu entrava debaixo da cama pra chorar e tal. Minha mãe até falava que com 3 anos eu ouvi “Clair de Lune”, de Debussy, e comecei a chorar ela falava que eu tinha sensibilidade com a música. E depois eu já com 10 anos de idade, meu irmão era músico profissional, ele tava tocando contrabaixo, e adorava ouvir os LP’s de jazz antigos. Aí comecei a ver aquelas bandas do Count Basie, músicos como Stan Getz e tantos outros. Comecei a fazer bar em Belo Horizonte, participei de festival e continuei ouvindo jazz, mas aí já fui procurando os guitarristas que eu gostava, como Wes Montgomery. Tem outro Count Basie que gravou um disco com a Julie London, só de guitarra e voz, que eu achei maravilhoso! E os brasileiros Chiquito Braga, o Neco, o violonista Durval Ferreira, o Baden Powell, que é um dos principais influenciadores. Na minha vida sempre ouvi de tudo, mas nunca tive preconceito. Nas barraquinhas lá de Belo Horizonte, em junho, a gente ouvia música nordestina, e tinha muita festa de congado, aquela festa de reis. Eu gostava de tudo, e nos anos 60 quando eu tava lá pros 18 anos, por aí, no auge da bossa nova, surgiram os Beatles. Eu tive uma resistência com os Beatles na época, mas depois eu comecei a curtir o resto, o Eric Clapton, o Jeff Beck. Sempre adorei muito os guitarristas, mas adoro a orquestração, o Henry Mancini e as trilhas de filmes. Quer dizer: mamei em todas as fontes boas musicais, e por isso é que a minha música é um pouco também eclética. E aí, ao longo do tempo, eu ainda ouvi muita música pop dos anos 70 e 80, viajando pelo mundo, muita gente me dando CD. Eu ouço de tudo na verdade. Mas se eu pego um disco pra tocar, a gente só vai pegar os clássicos: no Brasil é Tom Jobim, Hermeto, Edu Lobo, Dorival Caymmi, a Nana Caymmi, a Leny Andrade, a Alaíde Costa; e os americanos a gente sempre bota aí o John Coltrane, o Miles Davis, o Oscar Peterson. Eu sempre vou escolher os melhores. E a gente vai fugindo da programação de rádio atual que é muito desgastante, muito nostálgica, e não educa nada a nova geração.
Av.: Como surgiu a ideia de criar seu próprio selo, o Minas Records?
TH: Bom, eu tinha feito um disco no final dos anos 70, comecei em 1976 e terminei três anos depois. E eu fui rodar as gravadoras, e ninguém queria editar, então o pessoal das gravadoras falavam “Ah, esse disco não vai vender nada!”. Aí eu parti pra fazer ele independente, consegui um recurso e fiz uma tiragem com dinheiro de um banco, um banco mineiro. E nessa época tinham poucos discos que tinham saído de produção independente. O primeiro que é considerado, foi, assim, um ano antes do meu: foi aquele “Feito em casa”, do Antônio Adolfo. Mas tem um outro, o Pacífico Mascarenhas, que é um compositor das antigas lá de Belo Horizonte, que faz muita bossa nova e tal, ele já tá com 82 anos acho, ele falou que muito antes do “Feito em casa”, acho que em 1958, ele fez o primeiro disco independente do Brasil.

Detalhe de Toninho Horta ao lado do amigo e poeta Petrônio Souza
Av.: Fala um pouquinho sobre a sua composição “Dona Olímpia”, que está no álbum “Clube da Esquina 2”. Conta sobre a história e a sua relação com ela.
TH: Pois é, no primeiro disco do Clube da Esquina, em 1972, eu tive uma contribuição mais instrumental porque eu tinha vivido mais aquela coisa de músico de baile, ouvia muito orquestra. Então mesmo sem ter estudado academicamente orquestração e tudo, eu tinha muita noção de música, de introdução, de final e de dinâmica. Então quando o Lô e o Beto foram convidados pelo Milton pra ir lá naquela casa de Piratininga, ficaram lá um mês, eu também fui convidado mas só que eu já era músico de estúdio no Rio, já tava gravando com Dominguinhos, com o Jackson do Pandeiro, com a Alaíde Costa e um punhado de gente. Quando foi chegando nos últimos dias, o Ronaldo Bastos passou de fusquinha lá e falou “Ô, Toninho, você tem que ir lá!”. Mas a minha contribuição foi muito importante, eu ajudei nas músicas do Lô, até nas músicas do Milton a organização das partes, as instrumentações. Às vezes faltava baixista eu tocava baixo, se faltava percussão eu tocava percussão, muita guitarra né?...
Nossa conversa foi interrompida nesse momento por um “Parabéns pra você”. Toninho faria aniversário no dia seguinte. A comemoração oficial seria em Belo Horizonte, numa apresentação ao lado do amigo Lô Borges. Após a cantoria, ele retornou ao assunto.
TH: ...então, no primeiro disco eu tive uma contribuição mais como instrumentista, organizador ali das bases e tudo. Já no outro disco, o Clube da Esquina 2, eu tive duas músicas que foram “Viver de Amor” e “Dona Olímpia”. E “Dona Olímpia” era um tema instrumental que eu fiz pra trilha de um filme, um documentário de 20 minutos do Luiz Alberto Sartori, cineasta mineiro. Nessa trilha tinham outras músicas que fizeram sucesso também, que foi “Igreja do Pilar”, “Serenade”, “Aquelas coisas todas” e “Dona Olímpia”, e foram músicas que se destacaram ao longo do tempo. Eu fiquei tão apaixonado pela história da Dona Olímpia! Ela pedia esmola pra ajudar uma sobrinha dela a se formar, e ela usava um cajado e falava que era do Dom Pedro, contava aquelas histórias antigas, se vestia tipo hippie, cheia de flores, chapéu e tal. Uma figura muito carinhosa, muito simpática. Quando eu fui gravar a música, mesmo instrumental no meu disco, eu coloquei a voz dela na abertura da minha faixa, que tá no disco “Terra dos Pássaros”. Foi uma coisa maravilhosa! Muita gente lembra desse fato, não só que a música é legal, mas que tem a participação da Dona Olímpia ali.
Então, eu acho que o disco foi muito bom. O Milton fez uma interpretação linda da “Viver de Amor”, que é uma música minha também e que eu tinha gravado no meu primeiro disco. O Milton sempre inovador, tem uma frase que ele até criou no meio da música e ele... Ele começa a cantarolar a música. Acaba que ele entra na música de cabeça e acaba criando, vira parceiro da gente. Mas assim, eu acho que o Clube da Esquina se destacou porque eram várias pessoas de talento, pessoas de várias vertentes. Por exemplo, o Lô e o Beto eram roqueiros, eles adoravam os Beatles e os Rolling Stones, só que o Beto tinha uma influência do chorinho que era do pai dele que era clarinetista, e o Lô tinha uma influência da bossa nova. Então tem uma música pop, mas os dois fazem de uma forma diferente. O Lô tem uma sofisticação, o Beto tem uma concepção regional, digamos assim. Aí vem o Wagner Tiso, a mãe dele era professora de piano, então tem todo eruditismo, e no rock progressivo tem muito isso né, na época do Emerson, Lake & Palmer, era rock pauleira mas os músicos tinham muita versatilidade. E tinha o Milton, o cantador e fora a cultura musical dele, ele era locutor de rádio já bem jovem. E eu vinha da escola mais do jazz. Eu e Nivaldo Ornelas viemos mais do jazz, o Nelson Ângelo também um pouco do jazz e um pouco das raízes mineiras também. Então acho que a junção musical de todas essas figuras foi importantíssima para a sonoridade do disco. Inclusive na gravação do disco Clube da Esquina, a gente gravou em dois períodos. Então quem acordava tarde quando chegava no estúdio a gente já tinha gravado alguma música. Aí descia pra tomar um café ou um chope ali no quarto. Só que os outros que chegaram atrasados ao invés de subir ficavam ali tomando um chopinho, quem chegava mais cedo tocava. Tava faltando baixista eu pegava o baixo, tava faltando bateria o Beto pegava a bateria. Das 20 músicas que estão no disco não tem nenhuma que coincide instrumentação, por isso que tem uma riqueza enorme. E o Clube 2 foi muito bom também, teve participação da Elis Regina, mas já foi mais organizado. Aí já entrou o Tavinho Moura e o Flávio Venturini que são um pouco mais jovens que eu, o Beto e o Lô, uma geração um pouquinho abaixo e entraram no Clube um pouco depois. Mas acho que a herança tá aí né, a gente é conhecido no mundo inteiro, tem até fã clube no Japão.

Toninho Horta e Gilbert Salles dividem o palco do anfiteatro do Mamm
Av.: E seus projetos futuros?
TH: Tô fazendo agora os shows de lançamento da biografia, né? A reedição em parceria com o Petrônio Souza, o poeta. E a gente tem feito um show bem descontraído, um show misturado com recital, ficou uma coisa bem, assim, à vontade e o pessoal tem curtido. E vou lançar agora antes do natal meu songbook: as 102 partituras de Toninho Horta. E é um livro que demorou dois anos e meio pra fazer, mas um livro muito esperado por muita gente, acho que vai ter uma resposta legal.
Av.: Quais são os músicos atuais que você tem ouvido?
TH: Eu tenho tido pouco tempo pra pesquisar, apesar desse meu livro ser de pesquisa, mas eu tô concentrado nessa produção final que tá dando um trabalho danado. Mas sempre que surge um nome, uma pessoa que fez um trabalho interessante, eu sou o primeiro a querer ver. Então, das coisas que ouvi ultimamente, tem aquele filho da Tetê Espíndola, o Dani Black. Eu vi uma gravação dele que eu gostei muito. Ele vem com uma sonoridade, um tipo de arranjo elevado, de repente muda a história. Uma coisa bem interessante, até melodicamente, ele sabe bem fazer as coisas.
Conheci recentemente o João Salinas lá do Rio Grande do Norte que é um compositor fantástico, saca muito de harmonia, mas trabalha com uma precisão, um formato incrível de sequência com harmonia e melodia, um cara realmente inovador. Tem o Edelson Pantera que é do Sergipe, um cara muito bom criador, faz letras e melodias muito bem. Tem a Diana Popoff, minha sobrinha, filha da Lena e do Yuri, ela atingiu um nível de composição muito moderno, ela tem uma voz muito delicada, um jeito de tocar piano diferente. Ela já criou uma sonoridade dela.
E o Brasil é muito grande, então com certeza tem muita gente boa fazendo coisa que a gente não tem acesso infelizmente!
Comentários