O colete de Robert Plant
- Wendell Guiducci
- 28 de jan. de 2016
- 2 min de leitura

Foto: Thiago Salomão
A primeira vez que o Martiataka tocou em São Paulo, no Clube Outs, foi para meia dúzia de amigos e parentes. Literalmente meia dúzia, contados nos dedos. Saímos de Juiz de Fora em uma quinta-feira gorda, tocamos às três da manhã, terminamos o show, pegamos a velha Parati entupida de instrumentos e voltamos para Minas, chegando aqui ali pelas duas da tarde da sexta-feira, a tempo de pegar no batente. Essa foi uma aventura. A vez seguinte, na mesma Meca do rock independente, na famigerada Rua Augusta, revezando com Rock Rocket e Condessa Safira, a casa estava completamente lotada, compensando o perrengue desértico anterior. Mas não foi o grande público o elemento mais memorável daquela noite.
Terminado o show, descemos do palco para travar contato corporal com o povaréu, receber os tradicionais tapinhas nas costas, tomar umas cervejas e tudo mais, quando lá pelas tantas fui abordado por uma figura esguia metida em seu colete sem camisa e cabelos desgrenhados por baixo de uma boina cinza-xadrez.
- Meu, eu gostei demais do show de vocês! De onde vocês são, cara??
- Opa, valeu, meu velho, obrigado, que bom que gostou. A gente é de Juiz de Fora.
- É Paraná, né?
- Minas, é Minas Gerais. Terra do pão de queijo!
- Pode crer, pode crer! Porra, mano, muito louco o som de vocês, eu queria um CD, mas... meu, eu tô muito sem grana. Mas eu não quero de graça não. Toma aqui meu colete do Robert Plant.
E foi tirando o colete do Robert Plant e me entregando, ficando ele descamisado e eu desconcertado. Falei que não era necessário aquilo, pedi para esperar um segundo e fui ao camarim – o sempre animado camarim do finado Clube Outs – buscar o CD. Peguei dois, desci as escadas e estava lá o rapaz, colete na mão. Disse pra ele ficar com o colete do Robert Plant e entreguei os dois CDs, um pra ele e outro pro Jimmy Page, quando eles se cruzassem. E fui ter com os amigos que circulavam por ali.
Conto esta historinha para ilustrar o que somente os músicos, e uma parcela bem pequena deles, conseguem perceber. Mais que uma casa lotada, um (raro) cachê honesto, marca um artista a percepção de que seu trabalho foi não apenas compreendido, mas antes emocionou alguém. Tristes são aqueles tapinhas nas costas, aquele “showzaço, véi”, que você sabe da boca pra fora.
Pois há certos sussurros de vida que, apreendidos num momento fugaz, ecoam pelo resto da existência. A oferenda de um colete do Robert Plant é o que separa aquilo que é superficial do que é profundo. O que é fama do que é sucesso. As aparências da realidade. E o transitório do eterno.
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