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O Bar Silenciou - Pt. 1: Edson Leão

  • Carime Elmor
  • 2 de mar. de 2016
  • 8 min de leitura

Abrimos hoje uma série de entrevistas para tratar de uma problemática que tem sido falada recorrentemente pelos músicos de Juiz de Fora: bares estão recebendo notificações que os impedem de oferecer música ao vivo. Em 2012, um cenário parecido culminou na criação de uma organização dos músicos – Movimento Música Livre. Esses e outros assuntos estão nessa conversa que tive com o músico e jornalista Edson Leão.

Mas por que começamos a falar sobre isso com ele? Foi através de uma postagem em seu perfil pessoal do Facebook, em que ele manifestou-se sobre a retração dos espaços para os músicos se apresentarem, que tivemos a ideia de ir atrás de alguns personagens da cidade a fim de entendermos o que está acontecendo.

O Edson é cantor há 30 anos e já passou por vários grupos como Eminência Parda, Fantástica Banda Invisível, Pampas Geraes, Ou Sim, Sambavesso e Parangolé Valvulado. É compositor popular e tem vários parceiros musicais espalhados por Juiz de Fora. Foi um dos primeiros organizadores do Encontro de Compositores e milita em vários projetos coletivos em prol da divulgação da produção musical da cidade.

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O músico e jornalista Edson Leão, na Livraria Liberdade

Avenida Independência: O que nos impulsionou a vir conversar com você e fazer uma série de entrevistas sobre o assunto, foi uma postagem sua no facebook manifestando-se sobre a falta de espaços para a música ao vivo em Juiz de Fora. O que te levou a fazer isso?

Edson Leão: Primeiro Ponto, a minha postagem foi de impulso. Eu tenho percebido que a cidade tem vivido um período de retração de espaços principalmente voltados para uma produção musical de perfil mais alternativo. Existe hoje um mercado muito direcionado para uma música de consumo fácil e de escasso conteúdo artístico, e, cada vez mais, a gente tá perdendo espaço para o que não corresponde a esse padrão do mercado. Quando eu recebi a notícia de que o Sapirongos tinha sido notificado, eu percebi que ele é talvez o único bar que tem perfil mais alternativo situado em um bairro que tem uma faixa extensa de bares que vai desde o Santa Terezinha até o El Dourado. E logo depois foi o The Rocks. Eles proibiram que haja música ao vivo porque os dois bares não conseguiram se enquadrar nas normas que são estabelecidas para esse tipo de atividade.

Na minha postagem eu não tirava o direito das pessoas de terem seu momento de descanso preservado, mas existe um fato que é: o mercado de trabalho já é escasso. A gente tem uma produção musical na cidade que é muito grande. Se fôssemos fazer uma analogia, eu diria que Juiz de Fora, em termos de produção musical, é uma metrópole regional, mas em termos de espaço, é uma cidade interiorana bastante precária. Ainda mais se você for pensar na possibilidade de viver de música enquanto alguém que se apresenta. A gente tem artistas ótimos, criativos, que tem trabalho autoral, mas que se desdobram em quatro, cinco, seis, gigs, - projetos das naturezas mais diversas - que vão desde projetos que tenham a ver com a linha musical preferencial daquele artista, ou até outros que ele está engajado simplesmente porque é o que dá retorno financeiro.

Eu sei que os estabelecimentos precisam se adequar, que o ideal é esse. Mas a realidade é que 90% desses espaços surgem de maneira improvisada, sim. Não adianta a gente partir de uma hipótese ideal. Os mais voltados para circuito alternativos são locais pequenos, que tem um giro menor, com uma capacidade de investimento menor e que não conseguem responder prontamente ao serem autuados. Seria a questão do poder público tentar achar caminhos para estimular essa adequação ou então realmente vai continuar reduzindo o espaço para música aos eventos e às casas destinadas aos estilos que já estão predominando no mercado.

AI: Talvez tenha faltado sensibilidade do poder público de saber mediar os dois lados: dos músicos e dos moradores.

EL: A inquietude que me bateu, foi que em 2012 houve um cenário em que começou uma política muito visível de fechamento de casas por causa desse problema. Isso levou os músicos a fazerem um movimento. Na época, era o Fred Fonseca que estava a frente da cadeira de música do Conselho Municipal de Cultura. Ele, junto com o Thiago Miranda - quem puxou essa questão na época - e o Roger Resende, reuniram um grupo de músicos em torno de um movimento que conseguiu uma audiência na Câmara de Vereadores, daí surgiu toda uma discussão. Foi legal para colocar a questão em pauta publicamente e mostrar que tem vários lados para serem ouvidos. Não é só você dar uma resposta à comunidade - que tem o direito de ter seu descanso preservado. Tem algo que é pouco visto pelas pessoas e pelo poder público, que é o fato de que a música não é só uma questão de lazer, não é só uma questão de ego do artista, que é um mercado de trabalho envolvendo outros profissionais.

É por isso que de tempos em tempos é importante gritar e mostrar que música é uma atividade econômica. Deveria ter um cuidado maior, eu sei que a fiscalização faz primeiro uma notificação, dá um prazo para resolver o problema e aí, se não resolver, retorna. Mas isso não exclui o fato de que os bares não têm essa facilidade de responder à cobrança que é requerida.

Vídeo do Movimento Música Livre, convidando a comunidade a participar da audiência na Câmara de Vereadores, em 2012

AI: Como chegou até você a informação de que alguns bares estavam recebendo notificações e que seria proibido ter música ao vivo?

EL: A minha motivação para fazer aquela postagem foi movida pela sensação de “dèja vu”, isso está me lembrando de 2012, quando teve toda uma onda. E, num cenário que não está muito bom, eu preferi gritar antes de ter certeza se a gente tava caminhando para um negócio mais grave. O que eu quis dizer foi: será que estão levando em conta que estamos lidando com um mercado de trabalho e não somente com lazer? E também um pensamento de que, ok, existem as questões de adequação que as casas precisam levar em conta. Mas até que ponto não poderia existir algum tipo de incentivo para casas que fossem trabalhar com cultura?

AI: Tem muitos artistas produzindo, então se houvesse espaço, estaria fomentando mais este cenário.

EL: Eu não lembro em qual gestão, o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, João Carlos Vítor Garcia, foi a primeira pessoa que teve a visão de que cultura é atividade econômica. Ele pensou em transformar Juiz de Fora em um polo audiovisual, mas, infelizmente, nas mudanças de gestão isso foi esquecido. Eu considero que seja uma visão possível pensar Juiz de Fora como um polo de atividades econômicas ligadas à cultura. Somos a cidade da região que tem mais potencial para isso. Se está difícil para o Estado financeiramente promover isso agora, pelo menos ele não deveria criar entraves ao que já existe espontaneamente. E o que existe dessa forma está se firmando de maneira improvisada, sim. Então acho que seria importante começar a discutir de que maneira poderiam ajudar quem está na informalidade, passar para a formalidade.

AI: Você imaginou que quando fizesse a postagem levantando a questão, vários músicos fossem responder gerando essa grande repercussão?

EL: Eu acho que eu não imaginei, porque a minha necessidade de dar aquele grito era por achar que ninguém se manifestaria sobre o assunto. As bandas e bares ficam com a postura de “eu to errado”. No fundo sabem que existe um desconforto causado à população, mas também sabem que não têm como se adequar em pouco tempo, ao passo que os artistas sabem que não existem tantos espaços disponíveis para realizar o seu trabalho. A gente realmente está em uma relação de desconforto com a comunidade. Mas a gente sabe que a comunidade quer se divertir também, só não quer que essas coisas aconteçam perto da casa dela. E, ao mesmo tempo, você ouve a comunidade reclamar, às vezes, dos shows serem em locais afastados ou que os shows começam muito tarde. Mas quando se faz show perto e cedo, as pessoas chegam só depois de 22h, mesmo em um evento happy hour. E aí cai em uma questão cultural da cidade: Juiz de fora tem a tradição de começar eventos tarde.

AI: Você acha que a partir de agora pode surgir dali uma nova manifestação como a organização em 2012?

EL: Eu vejo as pessoas se manifestarem muito no Facebook, mas eu vejo também as pessoas esperando que apareça uma liderança. E eu já vi, não só em relação à música, pessoas reagindo assim: “Ah, legal aquela manifestação que vocês fizeram. Po, vai me avisando aí, se rolar alguma coisa tô junto”. Então assim, eu não vou te afirmar que possa surgir um movimento, porque tem toda uma galera que já esteve à frente, mas que hoje pensa duas vezes antes de comprar uma briga que a categoria não compra. Acho que está na hora dos músicos começarem a colocar a mão na cabeça e arregaçarem as mangas para se tornarem mesmo uma categoria.

“É por isso que de tempos em tempos é importante gritar e mostrar que música é uma atividade econômica”

AI: Os músicos em Juiz de Fora não estão muito unidos?

EL: Ficam muito esperando que alguma coisa aconteça. Uma das coisas que foi levantada na discussão que surgiu a partir do meu post é a necessidade de uma representatividade mais efetiva, que seria o sindicato. Aí, um amigo nosso, que nem é músico, levantou que o problema que existia em torno disso é que existia um sindicato já, e que toda documentação estava na mão de um músico que não demonstrou muita facilidade em disponibilizar esse material para galera que tentou reativar o sindicato mais ou menos na época dessa outra manifestação. E que agora esse sindicato estaria livre, você poderia instituir um novo. Ótimo. A pergunta é: vai ter uma diretoria com três pessoas e o resto vai ficar de fora concordando ou discordando? Ou realmente vai haver um movimento para a criação desse sindicato?

AI: Hoje não existe nenhuma comissão de músicos?

EL: A única instância que existe é o Conselho Municipal de Cultura que abarca a cadeira de música. Só que é muito claro o desinteresse da classe musical em se utilizar dessa instância. A gente já teve a articulação de um fórum, em torno do representante da cadeira de música, que gerou atividades e resultados. Mas a medida que o fórum foi se esvaziando e não tem nem pessoas interessadas em votar nesses representantes, você vai notando que existe uma ausência de militância.

AI: Precisa ter pressão para que essas ideias, ações sejam implementadas. A cadeira de música no Conselho Municipal de Cultura seria uma porta para se comunicar com o poder público?

EL: É uma instância de representação da classe musical junto ao poder público. Há divulgação junto à classe musical e o pessoal não aparece nem para se candidatar, nem para votar, deixando esses representantes em uma situação de vácuo. Por mais que o cara esteja lá para representar, ele precisa ter uma base. Ótimo saber que existe a possibilidade de criar um sindicato, mas se não houver o interesse, um engajamento da classe artística, ele vai se tornar mais uma instância vazia.

AI: Parece que o interesse tem, falta a organização para colocar a mão na massa.

EL: Existe um grupo de profissionais trabalhando com muita precariedade e não existe nenhuma forma de organização para, sequer, discutir essa precariedade. É uma dificuldade histórica da classe musical de se organizar. Se essa dificuldade histórica não for resolvida, não sei se a gente pode caminhar para uma instância de representatividade. Porque representatividade não é você ter um profissional a quem foi delegado um papel, é preciso ter uma categoria que seja capaz de expressar quais são as suas necessidades, que seja capaz de esboçar caminhos possíveis para superar essas necessidades e que vá monitorar a atuação desses representantes. E esse que é o grande o problema. Vários movimentos que eram destinados a algum tipo de organização da classe musical, se expandiam até certo ponto, depois se reduziam au número de três pessoas. O trabalho que foi feito pelos representantes de música no Conselho de Cultura é louvável para caramba. Eles conseguiram, em vários momentos, mobilizar um fórum em torno deles e fazer daquilo ali uma instância de consulta e representatividade. Mas o trabalho tem que ser contante para estar articulando as pessoas, quando na verdade deveria ser do interesse da classe estar buscando esses representantes, estar dando subsídios e, também, monitorando esse trabalho.

 
 
 

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