O Bar Silenciou - Pt. 2: Roger Resende
- Carime Elmor
- 18 de mar. de 2016
- 9 min de leitura
Fotos: Pedro Henrique Rezende
Continuando nossa série sobre a proibição de alguns bares poderem ter música ao vivo, conversamos com o músico Roger Resende. Cantor, compositor e violonista de Juiz de Fora, suas influências vêm principalmente do samba de raiz, mas também do choro e do baião. Além de sua carreira solo, entre elas o terceiro álbum Bondará meu Camará, Roger participa do projeto Ponto do Samba, é organizador do Concurso de Marchinhas de Juiz de Fora e ocupa a cadeira de música do Conselho Municipal de Cultura. Roger Resende também foi peça fundamental para a criação do Encontro de Compositores.

O músico, compositor de samba Roger Resende em entrevista para a Avenida Independência na Livraria Liberdade.
Avenida Independência: Você pode contextualizar um pouco como foi a audiência pública que houve em 2012 para discutir os espaços para música ao vivo em Juiz de Fora? O que levou ao surgimento do Movimento Música Livre de 2012?
Roger Resende: Então, o que levou a isso foi alguns bares na cidade terem sido notificados, por causa de moradores, provavelmente. Entre os bares, eu tocava num deles, que era o Água Doce, lá em cima, perto do estádio. Essa audiência foi puxada pelo Thiago Miranda, se não me engano, através do vereador Francisco Canalli. Depois que rolou essa audiência, eu e o Fred Fonseca chegamos à conclusão de que não teria tanta necessidade dessa audiência.
Avenida: Por quê vocês pensaram isso?
Roger: Porque conseguimos resolver isso depois, numa reunião. Na verdade, essa situação foi solucionada porque era véspera de eleição. Então, resolveram fazer um termo de compromisso pra poder voltar as músicas ao vivo. Nessa reunião, estava o presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), alguns donos de bar e eu representando o Fórum da Música. Eu levei todas as coisas anotadas com relação à quantidade de bares, aos bares que estavam sendo notificados e que não poderiam ter mais música, a quantidade de vezes que tinha música ali por semana e a quantidade de músicos que tocavam ali por semana. Eu fiz uma conta e vi que realmente é complicado. Se você pegar aí dois, três, quatro bares e de repente não ter música, você começa a criar um problema no mercado da música de Juiz de Fora, além de vários aspectos, já que não se ganha tão bem aqui tocando em bar.
Mas, um dos pontos que a gente destacou nessa reunião, que, inclusive muitos donos de bar olharam esquisito pra mim, é justamente essa história de você abrir um restaurante pra vender filé com fritas, cerveja, Coca-Cola e por televisão na parede, passando um tanto de coisa que não interessa a ninguém, mas todo mundo fica olhando pra lá e de uma hora pra outra, o cara quer por música no bar dele.
Porque é o seguinte, quando você planejou a cozinha, você comprou o fogão que tinha que comprar, você comprou as panelas que tinha que comprar, você contratou os funcionários que precisam numa cozinha, ladrinhou toda a parede. Enfim, você fez tudo isso, não fez? E agora você quer colocar música. Você tem alvará pra ter música? Não, não tem, né? Por que não tem? Ah, porque eu não tava pensando nisso, ou porque eu quis economizar e depois eu coloco música lá e pronto. Certo? Então, o preparo que esse estabelecimento tem pra receber um show é zero. É zero. Ele não tem nem um palco, talvez ele não tenha nem uma tomada na parede onde ele quer que seja a música. Aí ele vai, tira alguma samambaia de plástico que tava lá e coloca a música, entendeu? Isso é um problema muito sério.
É claro que existem os vizinhos que vão lá e reclamam, porque não querem a região onde moram movimentada de gente que não conhecem ou porque não querem carro passando. Aí, vem a questão do alvará. Por quê? Porque se o cara reclama que o som tá alto, e o som não está, o cara vai lá com decibelímetro pra medir. O cara mede e fala assim “Aqui meu amigo, tá dentro da lei, não tem nada, não”, “Ah, não tudo bem, mas ele não tem alvará pra música”. O Alto dos Passos é um lugar muito difícil de trabalhar com música em Juiz de Fora, por exemplo.
Avenida: Acho que hoje têm poucos espaços ali que oferecem música ao vivo.
Roger: É, tem poucos lugares, porque ali todo mundo reclama. Quase que o bloco Come Quieto não foi lá. Estava arriscado de o Come Quieto ser no estacionamento do Cultural, de última hora que conseguiram fazer lá. Poxa, somente uma vez por ano um bloco vai desfilar lá! Tudo bem, tem alguns motivos que eu concordo também. Mas cara, a rua é pra todo mundo ocupar, as praças, as ruas, esses lugares todos, entendeu? Então temos dois problemas, porque existe ao mesmo tempo um despreparo absurdo dos donos de casa aqui, que pagam mal, não te oferecem um som decente, não tem nem um palco pra você pisar, você leva um equipamento super caro, você leva um violão super caro e se alguém esbarrar e cair no chão, quebrar, ferrou.
Avenida: O grande problema é existir poucos bares apropriados para a plena execução do show?
Roger: É, vou te dar um exemplo. Você vai contratar uma banda de rock’n roll pra fazer um show na sua casa. Dá 10 minutos de show você começa a pedir os caras pra abaixar o som. Cara, você não tem condição de colocar uma banda desse tamanho dentro da sua casa, e por que você tá fazendo isso? Você tem isolamento acústico? Você vai pedir pra um batera “ó, toca levinho ai, cara”, falar “guitarrista, abaixa essa distorção ai, cara”. Você tá estragando o show do cara, tá impossibilitando o cara de transmitir a arte dele da forma como ele sempre fez, entendeu? Então existe muito isso. Isso tudo, no fundo, no fundo, demonstra um pouco do nosso semi-profissionalismo aqui, na área da música. Juiz de Fora tem músico pra caramba, tem uma cena rica pra caramba, tem uma diversidade musical enorme e ao mesmo tempo a gente não consegue dar um passo pra profissionalizar esse negócio.
Avenida: Tanto é, que é comum ouvir artistas que têm suas músicas próprias, os trabalhos que gostam, só que precisam se envolver com vários e vários outros projetos que nem se identificam para conseguir sobreviver e tocar. Você concorda?
Roger: Eu sou um desses. Por exemplo, eu faço 50 rodas de samba por ano e três, quatro, cinco shows autorais. Eu gostaria de que fossem pelo menos 25-25, porque eu adoro minhas rodas de samba e nunca vou deixar de fazer isso, entendeu? Mas eu gostaria de também ter mais espaço pra fazer o meu outro show autoral. Tem alguns teatros que não são ocupados da forma que deveriam ser, mas, nesse aspecto que a gente tá discutindo hoje, que é a questão do som no bar, da notificação do vizinho ou coisas nesse sentido, eu acho que em parte tem, sim, a mania do vizinho de reclamar.
Agora, você como bom empreendedor tem que ir tirando elementos que possam prejudicar aquilo que você realmente que fazer. Qual é o seu objetivo? É fazer um esquema que tenha ligação com a arte, com a música e com a cultura? Ou é mesmo batata frita com filé? Porque se for, o cara também não vai fazer um investimento desse tamanho.
Avenida: Mas você acha que isso acontece porque eles mesmos, donos dos bares, não têm condição financeira de adequar o bar, pelo baixo giro no estabelecimento? Ou, é mais falta de interesse?
Roger: Eu acho que é falta de planejamento mesmo. Parece, eu vejo dessa forma, uma falta de planejamento, um oportunismo num determinado momento. Às vezes, o cara serve uma feijoada e resolve colocar música, “por um sambinha aí”, entendeu? Pode por um sambinha, mas põe um cachezão, meu amigo, se não, não vai ter sambinha não, sacou? E aí, fica essa coisa, sabe. Muitas vezes a gente acaba fazendo. Mas, a gente tem tentado evitar certas situações, justamente pra não alimentar essa cadeia não-profissional. Precisamos dar um passo: os músicos precisam ser vistos de uma forma diferente, porque essa falta de condição pra trabalhar, é muito ruim. Você pode render muito mais, você pode ter muito mais motivos pra convidar uma pessoa pra ir ao seu show. Tem lugarem que vamos tocar, que não temos coragem de chamar as pessoas pra ir.
Avenida: Para tirar o alvará deve ter que fazer uma obra grande e gastar muito. Talvez os donos de bares que não têm um fluxo muito alto de consumidores não têm condição financeira para arcar com os gastos, não acha?
Roger: Não sei. Não necessariamente. Dependendo da hora que forem os shows e tal, mas vão precisar pagar uma grana para tirar o alvará. Talvez isso seja o motivo deles não tirarem. Resumindo, eu acho que tem muita gente que mora aos arredores dos locais que está afim mesmo de melar a história em função de um mimo e de uma visão mais careta e antissocial, e tem os donos de bar que na verdade não estão preparados pra isso. Então a gente acende uma vela pra Deus e uma vela pro Diabo, entendeu?
Avenida: No final de 2015 e atualmente você considera que esteja havendo uma onda de proibições, igual teve em 2012? Ou isso é recorrente?
Roger: Então, com relação a esse lance de 2012, quando eu saí dessa reunião foi decidido através da secretaria na época, e todos os donos de bar se comprometeram a fazer um termo de compromisso falando que iam se adequar. Era um período pré-eleitoral e eu acho que aquilo ali foi levado em conta também, tipo assim “vamos resolver isso aí, não vamos criar problema não”. Porque depois não aconteceu mais nada, ninguém falou mais nada e eu me afastei um pouco dessa situação, porque a gente não teve mais nenhum tipo de problema em relação a isso após a reunião.
Avenida: E voltaram os lugares a poder ter música? Mesmo sem fazer nenhuma adequação?
Roger: Voltaram na semana seguinte. Depois dessa reunião. O dono do bar tinha um prazo pra adequar o espaço. Então, você já pode começar a ter música agora, mas se passar três meses e você não fizer, mas não sei se houve fiscalização pra isso. Eu acho que a gente também está tão carente de espaço que na verdade acaba diminuindo esse tipo de problema.

Em uma longa conversa, o músico Roger Resende problematiza a questão dos bares que oferecem música ao vivo em Juiz de Fora.
Avenida: Roger, você ocupa a cadeira de música do Conselho Municipal de Cultura? Como funciona esse conselho?
Roger: O Conselho discute assuntos relacionados a diversas áreas dentro da cultura da cidade. Então tem a cadeira do teatro, tem a cadeira da música, tem a cadeira das artes plásticas, da literatura, enfim. E é uma forma de aproximar a classe do órgão de cultural, que é a Funalfa. Eu fui suplente duas vezes do Fred Fonseca. Ali a gente acabou formatando, construindo o plano municipal de cultura, muito com a ajuda do Edson Leão também, que foi um momento muito importante do Conselho. O Conselho faz uma reunião por mês e discute ali ações que podem beneficiar a cultura local. Cada área faz o seu fórum setorial, apesar disso não estar funcionando no momento, porque essa mobilização de fórum é muito complicada. Eu e Fred, por exemplo, tentamos fazer vários fóruns, conseguimos alguns com êxito, mas a maioria terminava eu e o Fred só, conversando. É muito difícil hoje em dia as pessoas terem disponibilidade para discutirem certas coisas.
Avenida: E essas reuniões são abertas pra todos os músicos da cidade?
Roger: Não, mas a ideia do Conselho é justamente poder criar políticas pra poder conseguir fazer escoar a produção e, ao mesmo tempo, buscar alternativas. Como é o caso do Plano Municipal de Cultura, que é o plano setorial, para que você consiga, em dez anos, dobrar a verba da cultura.
Avenida: Esse plano está acontecendo?
Roger: Ele está acontecendo, porém, as coisas não são na velocidade que a gente gostaria que fossem. Mas, do Conselho, eu estou saindo agora, porque já terminei a minha parte lá. A gente conseguiu uma coisa interessante no Conselho. No início, eu e Marcelo Castro, que é meu suplente, na primeira reunião do Conselho, a gente leu o plano e começou a buscar as diretrizes. Uma das primeiras coisas que a gente percebeu na diretriz do plano, é que seria necessário a gente fazer um censo cultural na cidade. Isso foi feito há muitos anos e não é um material que se reaproveite muito, porque são muitos dados, mas dados que não são tão consistentes como a gente precisa pra poder fazer isso. O Conselho, de certa forma, é um pouco moroso, devido a uma série de fatores.
Existe uma boa vontade dos conselheiros para poder estar ali, para poder ter as cadeiras e a partir daí começar a desenvolver as ações. É uma coisa muito interessante porque você aproxima de certa forma a classe artística do poder público.
Eu não fui um conselheiro dos melhores, devido aos meus compromissos também e, em alguns momentos, você se sente impotente também para realizar certas coisas. Mas a gente teve uma ação do Conselho que foi razoável.
Avenida: A Secretaria de Atividades Urbanas têm que notificar quando reclamam, mas será que eles não pensaram também num mecanismo de criar alguma medida pra fazer com que a música rode, facilitar de repente uma adequação, facilitar até para que os bares consigam esse alvará?
Roger: Eu entendo o que você está falando, de criar uma facilitação. Mas aí, acho que tem que ser uma iniciativa dos bares. O negócio é o seguinte: para não acontecer isso mais, o que a gente pode fazer aqui? Por exemplo, isso foi até cogitado, a gente vai fazer o isolamento acústico no bar e a gente vai ter um desconto em algum imposto, para tentar resolver isso. Isso foi cogitado, de alguma maneira, ou dado como ideia em algum momento que eu não lembro qual. Mas o grande lance, mesmo, é também saber se o cara está abrindo o estabelecimento dele com essa intenção de ter música.
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