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O Bar Silenciou - Pt. 4: Thiago Miranda

  • Carime Elmor
  • 30 de mar. de 2016
  • 11 min de leitura

Fotos: Pedro Henrique Rezende

A quarta entrevista da série sobre a problemática dos bares que estão sendo notificados e proibidos de se ter música ao vivo é com o Thiago Miranda. Esse é um nome que só de ouvir já combina com samba. Sua história na música tem muito a ver com o que herdou de sua família, cheia de artistas e músicos. Seu avô, que cantava em rodas de samba, impressionou um certo homem, Cláudio Coelho, que mais tarde veio a ser um amigo de Thiago. Ele foi quem o apoiou completamente e fez com que Thiago Miranda entrasse de vez na vida de músico.

Thiago já foi vencedor do Prêmio da Música Brasileira e atuou, em 2012, no Movimento Música Livre em Juiz de Fora, que discutia a valorização dos artistas da cidade. Além de compositor de samba, é um profissional multitarefa: faz produção de álbuns, fez seu próprio último clipe, fotografa e tudo o mais que precisar para conseguir espalhar sua música.

O compositor Thiago Miranda no estúdio que construiu em sua casa

Avenida: Alguns bares de Juiz de Fora, ultimamente, estão sendo notificados pela Secretaria de Atividades Urbanas e estão sendo proibidos de tocar música ao vivo. Essas notificações são em decorrência da reclamação de moradores próximos a esse locais.

Thiago Miranda: Sim, é uma briga justa. Os dois lados têm razão. É delicado. Eu sou muito de me colocar na pele do outro. Eu acho que a gente também não pode ser insensível a esse tipo de problema. A medida que não há estrutura e tem uma parede que dá para uma casa residencial, é inevitável que você vai incomodar o cara que mora lá. Ainda mais com uma rotina de show constante.

Em 2012 a gente passou por isso, quando eu voltei de Londres essa briga estava acontecendo e eu voltei meio endividado, precisando trabalhar muito! E aí, quando eu cheguei, o Mezzanino tinha sido notificado. Nisso, o projeto de tocar lá esfriou, o público afastou. Nessa de “vamos ver ou deixa a maré baixar”, o público some, o movimento deixa de acontecer. E a gente custa pra fazer uma coisa pegar e às vezes uma interrupção dessa é fatal.

Eu lembro de três lugares pontuais que eu fazia música periodicamente que acabaram, pararam de ter música. Aí eu comecei a perceber outras pessoas reclamando: o Fred Fonseca, o Edinho [Edson Leão] também estavam na causa, o Roger Resende… Então eu fiz uma música, uma marcha-frevo chamada Liberdade pra música de dentro de Juiz de Fora.

“Isolar som não é coisa de praticar ao menos dentro de um bar. Prometo que a Morfeu não vou atrapalhar, me multem se das dez eu passar. Se me privam, então, ao ar livre do som que eu, artista dos bons, posso proporcionar, canto e toco lá fora, porque aqui já não dá(...)”

(Marcha Frevo de Thiago Miranda - Liberdade pra música de dentro de Juiz de Fora)

Paralelamente, nós fizemos um vídeo dos artistas reunidos em frente à Câmara. Essa é a síntese do que ficou resolvido, discutido e do que a gente tentou gritar. E foi dali que veio a Audiência Pública. Claro, o pessoal já tinha se articulado, não foi só esse grito que desencadeou, mas acho que foi a gota d’água. Eles perceberam que nós estávamos organizados e mobilizamos até mesmo uma galera indiretamente envolvida. O vereador Betão conseguiu levantar essa bandeira e foi muito importante, mas aí discutiu-se tudo e depois na prática, tanto por parte dos donos de bares e até mesmo dos músicos, quanto da própria secretaria da prefeitura, faltou dar continuidade ao que foi consensualmente entendido lá.

Avenida: E o que tinha ficado decidido na audiência?

Thiago: A prefeitura ficou de dar um suporte a essa questão da adequação acústica: eles ficaram de criar um diálogo que eu não segui porque essas discussões seriam com os donos dos bares. Mas eu soube que houve pelo menos uma reunião, só que depois começou a ficar meio nublado o processo, porque começa a envolver custos.

A prefeitura dá a orientação, eu imagino que seja assim: “olha, tem que ser feito isso, isso e isso.” Mas e aí? “Beleza, mas isso custa 10 mil reais. Como é que faz?” Imagino que não tenha se chegado a um consenso nesse ponto. Tinha uma coisa que era muito vigente que, talvez, tenha sido o ponto crucial da discussão, que era o limite de decibéis permitido ali no ambiente. São níveis de ruído que o bar por si só, com muitas pessoas falando ao mesmo tempo, já passam do limite. A verdade é que, para respeitar essa condição, teríamos que colocar um adesivo na boca de cada pessoa. O ruído da rua muitas vezes supera 55 decibéis, aí junta tudo e fica acima de 70, e nós estamos falando de uma lei que o limite ainda é 60db. Isso é utópico, então deve haver uma adequação nesse tipo de cobrança.

Eu me lembro de tocar em um bar que, aleatoriamente, o vizinho da frente chamava a secretaria e eles iam lá com o decibelímetro. Quando eles chegavam pra medir, o dono do bar falava pra eu tocar mais de leve. E ficava aquela coisa, aquela gangorra, eu me segurando. Eu sei que não se chegou a uma conclusão na mudança da exigência no código de postura, que precisa ser revisto e atualizado esse valor de acordo com a realidade, já que estamos em um mundo muito mais ruidoso comparado ao de quando foi convencionado esse valor. Também precisa, sim, ter a adequação. Agora, adequação é o que? A minha música fala disso. Então só poderá ter música a casa que tiver um ambiente hermeticamente isolado, com vedação nas portas, mas poxa, aí vai virar um estúdio. E é isso que tá acontecendo, ensaio aberto em estúdio. O pessoal vai lá tomar uma cerveja no estúdio e ver um show. Isso até pode ser funcional para algumas casas noturnas, como boate e tal, que tem uma pressão sonora grande. Mas e eu, que faço samba no barzinho? Como é que acontece uma roda de samba dentro de um lugar fechado? Tem essa questão também, é um samba à tarde, sabe? Inclusive, vou fazer um agora em um local difícil que é o Altos dos Passos. Estamos há muito tempo afastados desse bairro por conta desse tipo de problema. E eu sou um cara que tomo muito cuidado com isso. Eu tenho uma roda de samba, mas eu não tenho surdo grande, eu doso o volume, não tem reverberação, é um som pequeno, que chega, dá o recado e pronto. Eu saí da Estância Dom Viçoso, fui pro Cantagalo, que era um bar do lado. Nisso um grupo entrou na Estância com um surdão, banjo, cavaco, reco-reco, aí eu fiquei pensando, cara, quer ver no que vai dar? A gente já tava lá há seis meses na Estância e nunca tinha tido problema. Alguém reclamava, mas a gente conversava, falava que qualquer coisa segurava um pouco, estávamos numa boa com os vizinhos. Nós fomos pro Cantagalo, eles foram pra Estância e lá do Cantagalo a gente ouvia o som do outro bar. Atrapalhava a gente a tocar, imagina o cara que tava vendo TV?

Aí eu fui até no Basileu Tavares que naquela época havia assumido a Secretaria de Atividades Urbanas, um cara que vira e mexe tava no samba, conhece todo mundo. Eu fui conversar com ele junto com a dona do Cantagalo e ele falou: “Gente, eu tive que ter essa reunião, porque tinha que ter com todo mundo, mas o problema não é o de vocês, com vocês estava tudo sob controle. O problema era com o outro grupo e aí no que soma vocês dois teriam que ter cuidado e mais um pouco! Se ativarem a Secretaria a gente tem que ir lá e não tem como eu medir o ruído de um lugar só, sendo que os dois estão emitindo som. Não posso forçá-los a parar, a não ser com uma medida restritiva e essa medida vai ter que ser ampla, geral, e aí rodou todo mundo”. Eu me lembro que, naquela ocasião, o Gangster abriu, e só na Dom Viçoso tinham quatro sambas. Aí uma vez, eu até fiz um desabafo: todo mundo tem que trabalhar e fazer som, todo mundo vive disso e tem que se virar, mas porque todo mundo escolhe o mesmo dia, a mesma hora e o mesmo lugar?

Avenida: Acho que no samba ainda dá para driblar mais esses problemas porque, como você falou, dá para fazer um pouco mais baixo, e na parte da tarde. Agora o rock’n’roll o pessoal com bateria e com o costume de ser tarde da noite, fica mais difícil.

Thiago: Mas ao mesmo tempo o samba não dá para ser feito em um bar fechado, o rock dá. Dentro de uma casa, vira um show de samba, cria outro aspecto. A minha música fala disso tudo. Eu acho que tem que ser levado em conta as circunstâncias, as peculiaridades de cada gênero e de cada situação e lugar. Aí falam “o Altos dos Passos é uma área residencial e não pode”, mas aí como que tem quinze bares só em uma rua? Porque o ruído que o público faz é o que eu pretendo fazer. Eu fazia voz e violão por ali com uma caixinha e às 22h a gente parava, era de 19h às 22h e, mesmo assim, não deu paz. Era uma MPBzinha tipo Caetano, Gil, Chico… uma bossa e um sambinha de leve.

Eu pensava que, poxa, o cara de casa até curte, se ele conseguisse ouvir alguma vozinha era até relaxante. Isso é uma implicância enraizada. E, muitas vezes, a gente está lidando com músico que não é músico, né? Que não tem o mínimo preparo. Isso é um problema, é uma coisa muito subjetiva essa profissionalização do músico, do artista como um todo, mas do músico é o pior. Porque o artista plástico faz um quadro que ninguém gosta e aí ninguém olha pra ele e pronto. Mas a música tá ali, gritando na sua cabeça. É delicado pra caramba.

Eu sou um cara que toco muito em local que é pra comer, e o cara que tá ali, às vezes, não quer ouvir som, ele só foi para comer e conversar. Mas por que isso acontece? Porque não tem casas voltadas especificamente para o som. E aí, em compensação, eu entendo muito os donos das casas que falam: “Poxa, cara, a gente investe, faz uma coisa melhor e muitas vezes não tem retorno do público”. O público também é muito ingrato nesse ponto de não ter esse tipo de discernimento de prestigiar uma casa porque ela tem uma estrutura pra música.

Thiago Miranda durante entrevista para a Avenida

Avenida: E como você está fazendo para tocar, hoje, aqui em Juiz de Fora? Tem feito shows recorrentes?

Thiago: Por sorte eu toco em alguns lugares que eu estou há muito tempo. Por exemplo, no Empório Artesanal, em frente a Sociedade Portuguesa, no Aeroporto, eu estou há nove anos, é uma casa que tem um isolamento legal, é mais afastada, não tem muita residência perto, é mais tranquilo. Mas, esse ano mesmo, foi interrompida a música no Bacco, no Victory Hotel e eu fazia lá, porém, nem posso falar se foi por conta desse tipo de restrição. Mais dois ou três lugares esse ano pararam com som, mas eu continuo fazendo. Assim, eu voltei para o circuito de restaurantes, porque antes estava tendo mais opção de casa e agora parou. O Galpão fechou, entre outras coisas, por conta de necessidade de adequação acústica. E não tá numa época boa pra gastar com obra. Então, a gente tem dois fatores pesados: a situação econômica que tá bem capenga e essa questão da exigência que começou a ser mais fiscalizada.

É uma discussão para começar de novo, mas não adianta a prefeitura ser solidária, mas não ser solícita.

Avenida: E você toca muito autoral? Consegue ter espaço para fazer show completo de músicas próprias?

Thiago: Você acha isso é possível? Viável? Não é, cara. Em certos lugares que eu faço, por exemplo, que eu rebolo, faço Zé Ramalho, tem que fazer às vezes. Na Garrafaria eu fazia o Show Interseção. O que era o Interseção? De um modo geral era tanto a provocação ao público, tipo, quanto mais comunicação melhor. Isso todo artista que trabalha um pouquinho começa a ver que é indispensável. Se não tiver isso, não tem show. Se o cara não se sentir parte do seu show, em momento nenhum, ele não vai voltar.

Aceitar pedidos e saber filtrar e também falar “gente, isso aqui não deu pra tocar”. Então, o Interseção era o show construído com o público, mas, basicamente, com o espaço reservado para a troca e comunicação, e, na verdade, até uma interseção mesmo, entre clássicos e músicas autorais. Então, eu tocava um blues que eu fiz com o Kadu Mauad e emendava com a História de Lili Brown. Fazia conexões, com isso, muitas vezes o cara associava uma música, por conta daquela conexão. Isso foi muito legal. Eu faturei, na época, uma grana, tocava música minha pra caramba! Mais do que tocam num show autoral, porque eu ficava três horas ali. Metade do repertório de três horas é mais do que o repertório todo de uma hora de show, entendeu? E, muitas vezes, também, nessa coisa de encaixar, a gente rende muito mais. Tocava 40 músicas no total, 20 minhas.

Por agora tá bem difícil, porque os espaços que eu construí essa história fecharam. O único lugar, que tem dado espaço é a Livraria Liberdade, né? Que é muito delicado e muito restrito, cabem poucas pessoas sentadas ali. Se o cara tiver a expectativa de comunicar com a música dele e ganhar um troco, tá no sal. Tem que escolher entre uma coisa ou outra.

Avenida: E tem muitos espaços em Juiz de Fora de bares e restaurantes que não oferecem som nenhum ou não tem condições de comprar os equipamentos, vocês precisam levar tudo?

Thiago: Pois é, lugar quase nenhum tem. O meu som fica no meu porta-malas. Tem isso também, é outro aspecto. Quem não tem e precisa contratar alguém de fora ou alugar. Isso onera demais. Eu sou muito empreendedor; o dia que eu resolvi que eu queria fazer a pré-produção pela Lei Murilo Mendes, falei: “eu vou gastar uma grana aqui (no home studio), mas vou gastar agora, eu vou me endividar, porque eu não vou ficar pagando horas e horas de estúdio pra pré-produzir meu disco fora”.

É muito louco isso de não ter som, mas, será que é bater o pé, que vai resolver? Eu acho que não.

Avenida: Voltando ao Movimento Música Livre. Essa foi uma das poucas vezes que os músicos se uniram para conseguirem juntos mais espaço e valorização?

Thiago: É, o Fred Fonseca e o Roger Resende estavam mais a frente, eu meio que ajudei a levantar o movimento, essa coisa mais operacional. Na discussão, eu não sei exatamente o que rolou, mas eu sei que houve um consenso, todo mundo sabia o que estava acontecendo e o que precisava ser feito. Aí, levaram, inclusive, um cara, responsável por projetos de acústica de vários lugares. Parece que ele era mais gabaritado pro assunto. Ele mesmo falava que tinham soluções práticas, às vezes não precisava de um isolamento, só de um tratamento. E isso é fato. Você pega um lugar que não tem isolamento acústico, mas você coloca um rebatedor, uma quina que absorva. Em material reflexivo: vidro, piso frio, azulejo, gesso… parede fria. Cara, isso tudo o som bate e volta com muita intensidade ainda, porque a perda de som é pequena. Eu sei disso um pouco porque eu estudo pra poder mixar as músicas, fiz curso de produção executiva em <home studio> lá no Rio. Eu tenho muita noção, apesar de não ser um estudioso. Tem coisas simples, por exemplo: você coloca uma espuma em forma de triângulo comprida de forma a anular aquela quina, o som já dá uma emagrecida. Não fica aquele grave rondando, com isso o cara já conversa mais baixo, o som total é muito absorvido.

Quando eu fiz a direção musical do Bacco, em 2010, e outros músicos começaram a virar produtores musicais de outros bares e butequins, alguns começaram a criticar: “Poxa, você não acha que defender essa bandeira de música em lugares improvisados é ruim?”. Po, não tem palco? Vamos montar em um canto, tira a samambaia. Cara, você quer que eu faça o quê? Eu também sou crítico a isso, mas eu acho que ser crítico não quer dizer que você vai deitar na cama e chorar, pelo contrário, é ir lá e mostrar pro cara que você precisa de mais. Como que eu vou fazer isso? É dizendo: “Po, você já não fez um palco legal, vamos fazer o seguinte cara, tira essa samambaia daqui, empurra essas cadeiras pra lá, quando der arruma um palquinho, um tabladinho, vamos trazer uma luzinha pra cá?”. Eu já peguei o meu refletor e levei, tem refletor meu na Garrafaria até hoje. Se tá valendo a pena, de alguma forma, se está justificando eu voltar lá, então eu vou lá e faço. Muitas vezes não é questão de ter dinheiro ou não para comprar, é falta de valorização. Mas eu não estou tocando pro dono do bar, eu estou tocando pro meu público. Porque, se for depender do dono do bar, não vai ter. Ou vai ter sem o refletor, então eu vou levar o meu, eu levo o som. Eu não estou falando aqui que a gente deva se acomodar e que a gente deva parar de exigir condições, mas a gente precisa trabalhar. Eu vivo de música, e nem é só questão de sobreviver, mas de querer tocar, mostrar.

 
 
 

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