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Ainda há tempo: rima e protesto na passagem de Criolo por JF

  • Foto do escritor: avindependencia
    avindependencia
  • 9 de mai. de 2016
  • 10 min de leitura

Fotos e vídeo: Rômulo Rosa e Pedro Henrique Rezende

O que tá te fazendo falta hoje? O que vem nos faltando nesses últimos dias nas nossas cidades? Bem, a resposta todos nós sabemos, porque “tudo está guardado na mente”, e também no coração. Cara, o que tá em falta na praça é amor! Muito ódio, pouco diálogo. Muita palavra, muito blá, e nenhuma atitude. Uma grande dose de aparências, sentimentos rasos, e escassez de sonhos, alma e verdade.

Mas nada de generalizar, pois ainda há tempo! Ainda há tempo de abrir os olhos, e principalmente o coração, pra perceber que existe, e resiste, muito amor nas ruas. Tem muita gente por aí correndo pelo certo, que luta pela arte, educação e cultura. Tem muita gente por aí fazendo história de um jeito positivo, gente que leva amor para todo mundo com a música que faz e que cativa todos com o uso das tuas palavras. Tem uma pessoa especial no meio dessa galerinha do bem, ele cola pra somar!

Criolo, de novo, sim!

Criolo subiu no palco do Capitólio, aqui em Juiz de Fora um dia após relançar para download gratuito o álbum “Ainda Há Tempo”, o seu primeiro, que completa 10 anos do lançamento. “É o teste” abriu o show pra galera, que pulou, gritou e foi ao êxtase. Ainda era somente a primeira canção, do que se tornaria um dia inesquecível para todos que estavam lá! Como diz Criolo “Enquanto Deus deixar vou rimar até umas hora”.

Criolo emocionando o público em show da turnê que volta com as músicas do álbum Ainda Há Tempo, lançado há 10 anos

Depois foi a vez de “Duas de Cinco”, que foi acompanhada em coro do começo ao fim. A música traz na letra palavras que Criolo sempre usa nas suas manifestações e declarações de crítica a educação pública, e a desvalorização do professor no nosso país: “que no meio do caminho da educação havia uma pedra, e havia uma pedra no meio do caminho”.

Entre uma canção e outra, Criolo e o DJ Dan Dan discursavam sobre a importância do amor, educação e dos professores para mudar nosso mundo. As pequenas coisas podem mudar nosso dia, e a ideia é sempre levar mais amor no peito, transcendendo todo mal. Por falar nessa parceria, foram os dois que criaram em 2006 a Rinha dos MCs, que segue forte.

Numa brincadeira os dois amigos se dividiram, um em cada lado do palco, pra “fazer o uso da palavra”, compondo um protesto. De um lado Dan Dan gritava: “Eu sou contra o racismo, eu sou contra a homofobia”, do outro Criolo comandava com a frase “Eu sou a favor dos jovens que estão ocupando as escolas”, e assim a galera repetia e gritava numa só voz, todos em harmonia. Eles também se manifestaram contra o machismo presente na sociedade, e principalmente na cena do rap, Criolo destacou que também “temos as meninas MCs, as B-girl, as jornalistas...”. Uma apresentação recheada de crítica política, tanto pelos artistas quanto pelo público, que num certo momento gritava: “Não vai ter golpe!”.

Dj Dan Dan e Criolo

Por trás deles o telão também contava histórias, tinha sua própria narrativa, trazendo animações que mostravam jovens com armas na mão, homens de terno, psicodelias, etc. A direção de arte do espetáculo fica por conta de Alexandre Orion, artista brasileiro, que trabalha com intervenções urbanas, se expressando ainda com grafittis.

O telão também é suporte de informação, exibindo o vídeo produzido pela Anistia Internacional Brasil, que trata sobre a violência policial no país, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde serão sediados os jogos olímpicos deste ano. Fica aí a pergunta: o país tá preparado? Tem segurança para todos, ou somente para alguns?

Assista ao vídeo.

Não podemos nos esquecer de contar sobre os DJs, que arrasaram durante todo show com seus beats magníficos! Tocaram também um trecho do funk mais conhecido no Brasil: “Eu só quero é ser feliz. Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é. E poder me orgulhar. E ter a consciência que o pobre tem seu lugar” .

Quando chegou a vez de “Convoque seu Buda” a galera foi ao delírio! Enquanto Criolo cantava “E se não resistir e desocupar, Entregar tudo pra ele então, o que será?”, o DJ DanDan gritava palavras de força: “OCUPAR!”. Depois teve muito amor com a canção “Não Existe Amor em SP”. Por lá ficou tudo escurinho, no telão a imagem de uma lua cheia, e dava somente para ver a silhueta do cantor. Um momento cheio de serenidade e expressão, transbordando sentimentos!

Criolo finalizou o show com “Esquiva da Esgrima”, e com a poesia da canção “Ainda Há Tempo”. Foi dia de acalmar o coração, foi dia do Criolo trazer amor pra JF, de ter esperanças porque “'As pessoas não são más, elas só estão perdidas. Ainda há tempo.''

Criolo

Que a minha música possa te levar amor

“Rap é bom quando chega a mensagem”, e a presença de Mcs de Juiz de Fora no palco serviu para isso, e também para mostrar como a cena autoral do rap está conquistando novos espaços, por meio de muita união e trabalho. Na noite do show do Criolo, o Capitólio estava com, primeiramente, o público que poderia investir na compra dos ingressos que variou de R$40 a R$100. Trazer um dos maiores artistas brasileiros para cá não é fácil e sai caro mesmo, mas o grande receio desse tipo de evento é justamente saber que o público presente não é o que vivenciou ou tá na luta sobre os temas abordados nas letras sensíveis do Criolo, que contam cenas de sua história na periferia de SP e também trazem mensagens de contestação ao quadro social opressor atual. Então, foi não só importante, como fez muito mais sentido poder ver que antes do show do Criolo, teve show do Marte Mc e também batalha do Encontro de Mc’s , com participação do Mc Pablo, Mc Souza, Reset e Oldi.

Intervenção do Encontro de Mc’s: Mc Pablo x Oldi

Aliás, logo no início, como acontece nas rodas de batalha de sangue, foi surgindo de forma espontânea um grupo de break no chão do espaço. E, apesar do skate não ser um dos quatro elementos do Hip-Hop, a ideia de se ter uma pista na área do show abriu espaço para skatistas da cidade levarem suas pranchas pra lá e mostrarem o que sabem fazer.

Inicialmente, quando surgiu a confirmação do show do Criolo, o Encontro de Mc’s ainda não tinha sido convidado para fazer a intervenção. Surgiu um post no Facebook de uma das organizadoras do Encontro dizendo a respeito disso, questionando o porquê de grupos de Hip Hop da cidade não terem sido chamados para participar de alguma forma, e, o Criolo é um artista que não só valoriza, mas acredita e incentiva muito os jovens que estão na luta por um sonho e fazendo arte. Durante o show, bem como na conversa que tivemos com ele, Criolo falou com muita veemência e sensibilidade de como acredita na nova geração, de como não podemos perder a energia que entregamos para o que queremos, com certeza quem esteve lá nessa noite e captou a mensagem, recebeu um sentimento de positividade e uma energia maravilhosa para continuar seguindo o caminho do que acredita e deseja. “Eles querem que você desista, mas jamais se der por vencido, rap nacional envolvidão até o pescoço, não fosse assim, ai de mim, só tava o osso”. (No Sapatinho – Ainda Há Tempo)

Conversando com o Oldi, organizador e Mc do Encontro de Mc’s e também com o Bernardin, Mestre de Cerimônias do Encontro, eles nos contaram que o coletivo foi convidado pela própria produção do Criolo. “A gente tem algumas pessoas como o Edu que é um cara de Juiz de Fora e que é o produtor dele. Ele conhece o nosso movimento e achou que seria legítimo e interessante, botou um voto de confiança e a gente veio. Toda rapaziada colaborou, todo mundo ajudou, foi ótimo”.

O Encontro de Mc’s surgiu em 2011. Toda semana, às sextas-feiras, tem batalha de sangue na Praça da Estação. A participação é livre para quem quer acompanhar as rimas e breaks, ou mesmo para o Mc que queira batalhar, desde que sempre tenha respeito na criação de suas rimas. Nesse ano estão começando as organizações para o Festival de 5 anos que é sempre feito de forma independente com muito trabalho e suor de quem participa do Encontro. Durante esses dias, venderam ingressos do show do Criolo e com isso, conseguiram alavancar boa parte do orçamento que precisam para o festival acontecer da forma que estão planejando. “Esse momento pra mim [da batalha] na verdade é o mais fácil, tudo que tá em torno disso na produção em cinco anos de trampo é muito pesado, sabe? É muito difícil, então a galera da organização é muito foda, esse pessoal que ajuda e acredita na cultura, para seu tempo, podia tá fazendo qualquer outra coisa, pra tá ajudando. E hoje, através da venda de ingressos, a gente garantiu uma boa parte do nosso festival que é independente, que a gente faz com as nossas ferramentas, se tiver que vender ingresso, se tiver que fazer qualquer outra coisa a gente tá em prol do Hip Hop, então a gente

conseguiu unir as duas coisas”, contou Oldi.

O pessoal do Encontro de Mc’s entregou uma camisa deles com a frase “Faço Parte dessa História”, o Criolo a vestiu imediatamente e quando Bernardo foi conversar com ele no backstage ele estava usando: “Aí eu falei pro mano: muita honra pra nós ver você vestindo essa camisa. Ele sabe que ele é fonte de inspiração pra maioria dos Mc’s, pra mim como apresentador também, porque ele foi apresentador muito tempo na Rinha dos Mc’s. Então é algo que a gente acaba se espelhando sim, claro, porque é um ícone, né? E é isso, Hip Hop quebrando muros”. Bernardo falou pra Avenida de como sabe que em Juiz de Fora tem muita gente fazendo música boa, independente do estilo, gênero e estética, e, que infelizmente, em alguns casos, não são valorizados.

O Criolo veio à cidade e apoiou e reconheceu o trabalho do Encontro de Mc’s, da Casaabsurda, que sempre está aberta pra eventos de Hip Hop, fez jus ao que diz em sua música, ao que expressa nos seus shows, porque é um artista que transparece verdade, sinceridade e sua missão parece ser não deixar o brilho dos olhos de quem está na correria pelos seus sonhos, se apagar. Oldi deixou claro em sua fala como ficou feliz pelo reconhecimento que o Criolo deu à cultura Hip Hop de Juiz de Fora: “O momento é de conquista, não tem como não estar entusiasmado, confiante e feliz pela coisa ter se desenrolado até a gente chegar em um momento como esse, em que o Criolo dá um reconhecimento aos jovens da cidade em primeiro lugar, e após, ao Encontro de Mc’s e a outros movimentos, a outros artistas”.

O show de abertura foi do Marte Mc: “isso aqui é rap de Juiz de Fora!”. O rapper tem se destacado na cena com um EP recém-lançado que mostra um trabalho musical maduro e bem feito. Além disso, como ele próprio destacou, tem dois feras o acompanhando nos shows. O RTMallone e o Morf, além da Mc Thaina que também fez uma música junto com Marte no palco do capitólio. “Eu acredito que foi o produto de uma relação entre eu e o Encontro de Mc’s que foi onde eu me criei, e que me deu tudo o que eu precisava para eu fazer rap. Eu acho que é isso. É uma postura de tratar a parada com zelo e com profissionalismo máximo que eu puder. Ao mesmo tempo uma correria imensa da equipe do Encontro de Mc’s para poder fazer com que o coletivo esteja aqui dentro”, disse Marte.

Marte Mc abrindo o show do Criolo

Marte Mc contou que tá com a ideia de montar um projeto que nem carregue apenas o seu nome, mas que envolva de forma totalmente presente o RT e o Morf, “não necessariamente um grupo de rap, mas um projeto que una realidades diferentes, vivências diferentes e transmita algo de positivo”. É interessante ver a ligação dos Mcs de Juiz de Fora que valorizam muito o trabalho um do outro. Se tem uma classe musical unida na cidade, talvez seja a do rap, pelo menos é o que parece, e é assim, com essa unidade, que juntam forças para continuarem alcançando o que sonham. “O RT pra mim ele é o melhor Mc da cidade e é foda demais pra mim contar com ele ali. Porque é uma identificação recíproca, apesar da realidade dele de vida ser diferente da minha, o trabalho dele me toca muito e eu acho muito incrível compartilhar momentos, minutos do meu show com músicas dele. E o Morf é um irmãozásso, ele era do Rio de Janeiro e veio pra cá. Também me identifiquei muito com o som dele. O Morf tem uma bagagem muito grande de profissão, de Dj mesmo, ele trabalha como Dj, ele sabe produzir, ele sabe mixar um bom áudio”. Com o respaldo desses dois, ele se sente completo pra passar sua mensagem.

RT Mallone cantou seu single Ostentação que fará parte do seu álbum novo – Eclesiastes- que será lançado em breve, e conta como está em um momento bom: “Quando eu cheguei ao Encontro de Mc’s, foi foda. Eu consegui cantar no Encontro, pela primeira vez, em uma batalha que foi no Unibairros, perto do meu bairro lá na zona leste, foi louco. Quase quatro anos depois, eu canto no Cultural com o Rael, e agora, eu canto no Capitólio em um show do Criolo. A gente consegue ver que as coisas estão crescendo não só para mim, não só para o Marte Mc, mas eu acho que pro Hip-Hop de Juiz de Fora em um contexto geral. Eu fico muito feliz de estar fazendo parte disso e eu sei que a geração que virá depois, vai colher frutos muito bons”.

No álbum Eclesiastes, RT descreveu na letra de suas músicas sua vivência na periferia. E, por isso, se identifica muito com o trabalho do Criolo. “O rap continua falando das causas sociais que ainda são um problema, as coisas ainda não se resolveram, e quando eu vejo que eu faço isso, e o rap do Criolo faz isso também, é como poder tentar ajudar da melhor maneira possível, fazendo arte. Tentando conscientizar, unindo as duas coisas. Eu me emocionei bastante no show do Criolo, me emocionei bastante no palco também dividindo a experiência com as pessoas, eu estou muito feliz com o momento, de coração mesmo”.

Durante a intervenção dos Mc’s de Juiz de Fora, eles pararam em um momento e lembraram doAice, que foi morto no ano passado. Ele é o grande cara que sempre incentivou o Hip Hop de Juiz de Fora, e fez com que todos esses meninos e meninas continuassem nessa arte. “O Rap é Forte”, e em um momento enquanto o Criolo foi enumerando as várias periferias de São Paulo, pessoas do público de Juiz de Fora foram gritando o lugar que os representam aqui: Santa Cândida, de onde o Hip Hop começou nessa cidade.

Leia a homenagem que fizemos à Aice na Edição 2 da nossa revista.

 
 
 

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