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Roda-viva

  • Júlia Pessôa
  • 26 de mai. de 2016
  • 2 min de leitura

"Tem dias que a gente se sente"... como alguém que devia ter nascido em outra época, outro lugar, viver outro momento. Desde pequena, sempre ouvi muito da produção musical brasileira durante o período da ditadura, sempre acompanhada por histórias temerosas que meu pai contava sobre o cenário em que elas foram compostas. Ainda assim, sempre tive um fascínio um tanto obscuro por este período em que a democracia foi tão maculada, mas a arte, ah, a arte. Como a arte resistiu, como bradou, como esperneou até se fazer ouvida, até aquele governo repressor descer pelo ralo, mas como todo usuário de chuveiro sabe, sempre fica um fio de cabelo ou outro agarrado por ali.

"Minha dor é perceber que apesar"... de ter passado a vida acreditando que jamais teria meus direitos, aqueles conquistados à base do sangue, suor e lágrimas de tantos, sendo assolados pelo conservadorismo, reacionarismo, sede de poder e falta de empatia que ficaram impregnados naquele fio de cabelo que se recusou a ir ralo abaixo. E "eis que chega roda viva". Cada vez que escuto alguém comemorar a queda de um governo democrático e aclamar a dizimação de entidades representativas das minorias e sim, da cultura, constato, infelizmente, que não preciso mais, como sempre pensei, viver em outros tempos para sentir-me como Chico, "como quem partiu ou morreu".

"Apesar de você"... que vestiu camisa da CBF, bateu panela e diz que artista "vagabundo" que "mamava nas tetas da Lei Rouanet agora vai ter que trabalhar"... apesar de você, estes dias vão passar de novo. Já está acontecendo, devagarinho. Vai haver mais Jucás rodando em áudio telefônico, provando que sempre foi golpe. Vai ter show nas ruas, com famosíssimos e desconhecidos artistas cantando - de novo- a democracia junto ao povo, só para mostrar o quanto a cultura, aquela do ministério dissolvido, tem poder de transformação. Vai ter gente como eu, de saco cheio de tanto egoísmo, de tanta indignação seletiva, de tanto ódio gratuito, dando a cara a tapa pra desaguar em palavras o que aperta o peito. Vai ter ateu cantando "Pai, afasta de mim este cale-se", e o "cale-se" há de vazar em mais um áudio estarrecedor atestando tudo que a gente já achava, mas não acreditava que era tão descarado.

"Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"... por isso pode ser uma esperança pueril minha, mas sei que um tempo sombrio como o de agora "vai passar." Mas enquanto isso, sem qualquer sombra de dúvida, "é preciso estar atento e forte." Não vamos nos calar.

 
 
 

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