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Desconstruindo o Deus do homem: Poetisa Dissecada, Dignatários do Inferno e Black Wings se apresenta

Fotos: Letycia Santos

No meio do caminho tinha um poeta, um poeta punk da subcultura ou contracultura de Juiz de Fora. Poetisa Dissecada é poesia gritada pela voz do Bira, sangrando nos riffs de guitarra do Juarez, recebendo machadadas da bateria de Fabiola, enquanto a Júlia, em uma linha de baixo consistente, reafirma o punk rock, e traz um toque gótico e lúgrube ao som da banda. Isso porque o vocalista e a baixista vêm de uma vertente do post punk e do deathrock e trazem uma estética gótica no estilo de vestir. O cabelo de Júlia tem mechas vermelhas e um morcego preso à cabeça, uma meia calça branca destruída por cima de uma preta e botas, já Bira tem um moicano bem grande, com a lateral pintada como uma pele de onça, uma tatuagem do Edgar Allan Poe e o Corvo no braço esquerdo, e ainda usa o olho marcado com maquiagem preta. Juarez e Fabíola têm mais referências do punk, do streetpunk e do Oi!, inclusive ele também é da banda Dekradi, que gravou uma música falando sobre o preconceito que existe com o estilo.

O guitarrista usava a clássica camisa do Sex Pistols, do Never Mind The Bollocks, calça colada e botas. As roupas, no geral, eram totalmente customizadas, principalmente as jaquetas, com tachas, bottons, estampas de bandas, e outras interferências feitas por eles mesmos. A do Bira, por exemplo, era dos ingleses do Joy Division, uma das primeiras bandas de post punk, já a do Juarez era da banda escocesa The Exploited. “Na hora de compor, a banda mistura suas influências musicais e existe um respeito de ambas as partes. Mas não são completamente diferentes [o gótico e o streetpunk e o Oi!], porque o gótico puxou em sua raiz, vertentes do punk. Então no final culmina nesse punk rock que fazemos, nessa cosia estranha”, nos contou Bira.

Poetisa Dissecada tocou o EP completo – O Deus Verme

A cultura do underground e do alternativo é o que os move, o Do it yourself aparece em quase tudo: desde à produção independente das músicas, suas roupas e também o Zine Submundo, que Bira e Júlia lançaram no ano passado para divulgar bandas de Juiz de Fora e região. A grande novidade da banda é o primeiro EP, O Deus Verme, que foi lançado na terça-feira, 23/08, e vem acompanhado de um trabalho audiovisual. “O EP trata principalmente da morte: é como vagar sozinho léguas de sombra dentro de si mesmo. E ao mesmo tempo que fala de morte, ele fala de religião e de loucuras”, explica Bira. Perguntamos a eles sobre a forma de gravação – se foi feita de maneira caseira, sem trabalho de edição, como os punks de 80, que gravavam em fitas cassete com baixa fidelidade sonora. Acontece que agora toda tecnologia digital está disponível e é, inclusive, mais comum, barata e viável esse tipo de captação. Eles comentaram que querem muito ter condições financeiras para lançar em mídia física e curtem a ideia da volta do vinil e das fitas, mas por enquanto, o lançamento é com faixas digitais. A gravação foi feita em um estúdio profissional de JF, o Bioma.

Um pouco do punk de JF

No show de sábado, 20/08, com apenas seis meses de banda, a Poetisa fez uma apresentação com 10 músicas autorais, no Hell Gig, este evento que aconteceu no Bar da Fábrica e a gente acompanhou para depois contar aqui. O que se ouviu foram letras densas, com uma vontade da valorização da arte, principalmente da literatura, já que há uma poética e um vocabulário elaborado. As letras falam de Lars Von Trier, de Augusto dos Anjos, sobre fotografia e a que abriu o show era uma música a respeito do crânio do cineasta Friedrich Wilhelm Murnau que foi roubado de um cemitério na Alemanha. Além disso, incluíram no setlist uma música da banda punk feminina brasileira que surgiu nos anos 1980, As Mercenárias. “Vagando na escuridão é uma mistura de uma letra que o Juarez começou a compor com um poema do Augusto dos Anjos, a Ave negra em minha porta é O Corvo do Edgar Allan Poe com um refrão diferenciado e O Deus Verme é efetivamente uma poesia mesmo, do começo ao fim, do Augusto do Anjos, as outras músicas são todas composições manuais mesmo que fazemos juntos de letras escritas por nós”, explica o vocal.

Se o termo independente tem um sentido especial no cenário musical, os Dignatários do Inferno fazem jus a esse significado. “Nós que fazemos tudo, corremos atrás, pagamos o estúdio, todo o EP. Tudo, tudo, tudo!”, explica Bernardo Falcão, guitarrista, vocalista e compositor do grupo. Assim, temos o Impastor. Um parêntese: não se espante, o erro não é nosso. A troca do “I” pelo “A”, no nome da banda é de propósito. Pra chamar a atenção. O power trio fica completo com Daniel Dan Dan na bateria e Lucas Santana Saab no baixo. A ideia era ter um vocalista, mas de última hora não rolou e o Bernardo segurou as pontas e gravou as vozes. “Difícil foi depois, de início era só guitarra, mas tive que aprender a cantar e a tocar junto para os shows. ” A cena independente acaba tendo um pouco isso. A aparelhagem de som nem sempre é a melhor. Os espaços para apresentação são escassos. Mas, a vontade de fazer supera, tudo o que precisa digamos assim, é um pouco de “cara de pau”, oferecer a face, porque o público tá sempre lá, assistindo, batendo cabeça.

Dignatários do Inferno fez um show autoral com músicas do álbum Impastor

Num primeiro instante, o nome da banda soa forte. De modo geral, quem quer ocupar um elevado cargo administrativo no inferno? Bom, a banda não tem nenhuma ligação com Lorde Satã, se é o que você pensou. Vai ver no fundo de tudo, a ideia deles é justamente o oposto, a tentativa de trazer alguma outra via de salvação. Isso porque, a religião e a politicagem feita em torno dela são o combustível temático das letras. Quem dá nome a uma composição de Deus Herege.? Ou, de Religião não define caráter? Fica claro, que a missão é chocar. A reflexão fica por conta de cada um diante da performance. Apesar de versos como: “não gaste na igreja, ponha alimento à sua mesa. ”

O estilo deles é um pouco difícil de definir. Parece um punk mais escrachado em alguns instantes. A temática contestadora das músicas num primeiro instante reforça essa hipótese. Só que a bateria tem viradas e ritmos diferentes, a linha reta do 4/4 do punk é quebrada. Aí você percebe que tem muita distorção na guitarra, é uma high gain mais metal. O baixo é martelado! Por horas, surgem solos rock n’ rooll, com um wah wah bastante presente. A banda se auto define como Mojica Metal. A ligação mórbida com o Zé do Caixão só reforça a atmosfera de choque que a banda quer causar. Tudo é performance, o chamar a atenção, para os perigos da mistura de cultura, religião, sociedade e política. Aonde está o poder? Se movimentando, distribuído nestas esferas!

A pesadíssima Black Wings foi quem fechou a noite. Com pouco tempo de banda, menos de seis meses, já trouxe algumas composições autorais para o show no Bar da Fábrica. O Eduardo Barros, batera, me contou antes do show que desde o primeiro ensaio, houve uma conexão muito forte, facilitando para que tudo fluísse rápido. Logo depois, na entrevista, o vocal Bruno Ray corroborou essa história, disse que nunca havia ensaiado com uma banda com ensaios tão bons e produtivos, todos os membros com as músicas tiradas de forma certinha. É por isso que hoje já têm conteúdo próprio pronto para formar a primeira obra assinada como Black Wings. “São composições que eu pré gravei na minha casa de maneira simples, mas com um esqueleto completo das músicas. A gente já tem um conteúdo bom, é só gravar”, afirma Bruno entusiasmado. A novidade é que estão com uma baixista nova, a Gabriela, que tem apenas 19 anos. E para completar o quarteto, o guitarrista é o Josh Harrison, que tem um estilo inconfundível meio country, meio rock’n’roll.

Black Wings apresentou novas músicas próprias ao público mesclado a um repertório de versões

O mais incrível é que a banda se juntou no intuito de fazer um cover de Danzig, porém logo que conheceram o material que Bruno já estava criando, somado aos bons momentos de ensaio, decidiram levar a diante a vontade da Black Wings ter suas próprias. Para viabilizar a gravação em boa qualidade, pensam em tentar algum edital da lei de incentivo à cultura, mas como receberam muitos convites para tocar em diversos festivais, estão juntando a grana do cachê para o álbum também. As referências no que vêm criando tem tudo a ver com músicas de bandas consagradas que tocaram com maestria no show: além de Danzig, Black Sabbath e Alice in Chais estão fixados na memória musical dos músicos. “A banda com conteúdo próprio valoriza o aspecto cultural da cidade. Tem muita banda boa em Juiz de Fora, com músicos excelentes e cada vez o autoral está ficando mais em evidência. Antes os festivais eram mais voltados para tributo, hoje você pode ver que isso está sendo mudado e o autoral mais valorizado”, observa o vocalista.

A raiz da banda é o blues, clássico, é por isso que uma das formas que usaram para se definirem é o Heavy’n’Blues, porém a ideia da banda é mesclar referências de gêneros já dados, consolidados, e mais “populares”, com vertentes de músicas mais peculiares e assim, conseguir criar um produto de cara nova. “Eu procuro me inspirar em coisas regionais, para poder juntar uma música mais conhecida, o blues, heavy metal, reggae, com uma música não conhecida, algo novo. Porque fazer algo que já existe é perda de tempo. Eu me inspirei muito nisso assistindo a um documentário no Youtube, da Gangrena Gasosa, uma banda do Rio que mistura macumba com metal”. E esse é realmente o espírito de uma banda independente, que não tem um empresário ou uma gravadora por trás forçando a barra para fazer algo “vendável”, a ideia é extrapolar nos delírios inimagináveis da criação, e simplesmente fazer o que gosta de ouvir e tocar.

Finalizando nossa conversa, a energia foi muito positiva ao falarem sobre a cena de Juiz de Fora e sobre a parceria de algumas bandas que sempre puxam a outra e convidam para fazer show, como aconteceu nessa noite, que tocaram à convite da Dignatários. Expuseram seus pensamentos acerca da importância das bandas underground se unirem para trazer força ao movimento e diminuir a competição. “Aqui tem um potencial absurdo”, comentaram lembrando a história em Seattle, onde o Grunge nasceu e cresceu muito devido ao envolvimento das bandas umas com as outras.

Música e muito mais

Esse foi o primeiro Hell Gig, organizado pela Thamiris Carvalho. A Trauma Store estava presente com sua loja montada, sempre apoiando as bandas de rock da cidade, bem como a Suspiria e a Holyshit. Também estavam por lá os tatuadores Ligia Castro e Breno Bitarello, da Tatto Home, fazendo um flash super maneiro, ao lado do Sebá Kymera e da Ana Elisa Resgalla do Nascimento. E para completar, o Felipe Peters estava com uma área para body piercing.

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