top of page

Review Graveola: Chamaeleontidae Rhopalocera, uma polifonia evolutiva de cores


Foto: Vania Cardoso/Divulgação

Camaleões são bichos adaptáveis; seu colorido é um reflexo do meio. Eles mudam por necessidade. As borboletas não ficam atrás neste darwinismo constante; elas se transformam, evoluem. Ambos, no entanto, nunca abandonam suas raízes. Os camaleões eventualmente retornam a cor de origem, uma lembrança do que realmente são. Mesmo as borboletas, que ao adquirirem a capacidade de realizar suaves voos num jardim, aquele plainar gracioso de cores vibrantes, durante a tarde de um domingo, acontece pela necessidade de gerar novos descendentes. Retornar de certa maneira a larva. Assim é a polifonia. A descoberta do colorido sonoro no prazer de empilhar diversos sons.Uma técnica que evoluiu e ainda evolui, se transformando. Mas, ainda mantêm a maneira de entender o som, desenvolvida lá na Idade Média, o princípio básico e ainda fascinante de sobrepor dois ou mais sons. Parece algo sem fim.

Essa é a pegada do sexto álbum do Graveola e o Lixo Polifônico. disponível para download no site da banda.Composta por Bruno de Oliveira (baixo e vocais), Gabriel Bruce (bateria e vocais), Henrique Staino (sax e teclado), José Luis Braga (cavaco, guitarra e vocais), Luiza Brina (voz, percussão e escaleta) e Gabriel Lopes (vozes e guitarra). Daí você pensa, de onde vem a ideia de colocar a palavra “lixo” num grupo de músicos de qualidade. Soa quase inadequado. Vai ver essa é a estratégia. Mas, tenha a certeza de que o nome foge ao sentido pejorativo da palavra. Pense em lixo num sentido mais sustentável, na onda crescente da necessidade de reciclar neste século XXI.

Camaleão Borboleta é isso! O título do novo álbum com certeza é alguma alegoria de profundo sentido para a banda. Mas fica aqui pra gente esse trocadilho, das cores em constante evolução. Principalmente a reciclagem de coloridos timbrísticos e o reaproveitamento em novos usos.O álbum é uma construção consciente de um quebra-cabeças de diversas influências. Rico em diversidades rítmicas e estruturas harmônicas, de origem predominantemente latina e africana, aliadas a brasilidade do grupo. Há um sensualismo latente em todas as canções. Seja pelo afeto transmitido nas ondas sonoras que adentram o canal auditivo, atingem o tímpano e sensibilizam nossas células nervosas, ou mesmo pela suavidade das composições, percebida na interpretação da poética das letras.

Camaleão Borboleta (2016)

A característica geral é pop. Não é Madonna nem Michel Jackson! Entenda o termo pop como uma escuta fácil, acessível e fluida. Nem por isso, sem qualidade. Na verdade é o oposto. Ou seja, o bonito descomplicado; a qualidade acessível. O que é muito difícil de se fazer. O álbum do Graveola e o Lixo Polifônico apresenta músicas diferentes entre si, no entanto passa uma unicidade incrível. É como se maracatu, frevo, bossa-nova e jazz viessem do mesmo lugar. Há o sentimento constante de reconhecimento e semelhança de sonoridades durante toda a escuta. Poético, de letras bem pensadas e metrificadas, os temas são contemporâneos em sua maioria, fugindo dos jargões do sentimentalismo barato encontrado nas rádios.

Os temas musicais que tecem as composições são bem feitos, casando em perfeito estado de espírito com as letras e a temática descrita.Temas que são sempre reapresentados em frases musicais nalgum arranjo rico em timbres e bem articulado. Pela forma como reaparecem, por vezes, soam como novas melodias, apesar de não serem. Estão camufladas em cores e arranjos; transformados em novos elementos musicais. As variações harmônicas são muito interessantes, dando fluência aos versos, capturando a atenção. A trama de vozes é bem feita, intercalando os timbres graves e médios das vozes masculinas a suavidade do timbre da Luiza Brina.

Uma eletricidade trespassa todo o álbum. Não é um estado de excitação; mas sim a sonoridade mesmo. O uso constante de instrumentos com sons de origem eletroacústica forma a atmosfera do álbum. Eles não são o carro chefe. A bateria e os instrumentos de percussão estão lá, na frente. O violão e o cavaco com seus médios e agudos, captados por algum microfone condensador estão lá, também na frente. O timbre de instrumentos de sopro também. Mas a eletricidade está ligada aos instantes de um psicodelismo que tenta surgir, o uso dos sintetizadores na construção das paisagens, que em nenhum instante soa divergente, mas sim converge para a sonoridade final do conjunto.

O instrumental a todo instante tem uma base forte, sustentada por instrumentos rítmicos que às vezes criam contratempos. Só que outras vezes aparece um vazio proposital, de uma solitude quase sem fim, uma voz e algum acompanhamento, que é reconfortado pela melodia e os versos. O baixo dita as marcações, tem uma sonoridade meio jazz norte-americano dos anos 1950/60 em grande parte do tempo.

Algumas faixas em especial, das 10 que constituem o álbum, passam essas características gerais do todo. A todo instante é implosão e edificação. Suave e bem arquitetada. É o caso da canção de abertura, Maquinário, uma espécie de single, trazendo a explosão de coloridos e de ritmos que se seguirão pelo álbum.

Aurora tem um gingado de bolero, passagens de acordes aumentados de música espanhola e o timbre característico dos metais de um grupo de mariachis. O portunhol que aparece de forma sutil reforça a fusão de gêneros. Back in Bahia revela uma bossa-nova desconstruída de melodia suave. Em alguns versos, a voz sugere uma métrica livre (ad libitum). A bossa é sentida, mas como algo que tenta fugir de alguma maneira pra algum outro lugar. O solo de trompete alude e remete as escalas de Miles Davis, aí a coisa parece ter um sentido claro, só parece. Ao final a métrica foge novamente, até que o pulso se estingue.

Em Carta Convite há a presença da música contemporânea. O verdadeiro sentido de lixo, obliterado pela cultura musical durante séculos. É o ignorar o fato de que se ignorava alguns sons, pra poder fazer um livre uso de qualquer material, seja qual for sua origem. É um acompanhamento de violão, tanto quanto convencional rompido por um “solo” de samples de impressora matricial. O uso criativo e concreto da manipulação sonora. As frequências sonoras das notas musicais emitidas se misturam com a ideia rítmica da cabeça do cartucho de impressão, numa polifonia moderna.

Quem estiver em JF no fim de semana do dia 23 de outubro, vai poder conferir isso tudo ao vivo, na Melhor Gig de Domingo, que vai rolar no finzinho da tarde pra noite no Cultural Bar. Pra ficar por dentro é só acompanhar as novidades aqui. Tem mais aqui no blog da Avenida também!

Mais lidos
Posts Recentes
bottom of page