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"Eu sou músico dependente": Conversa com Igor de Carvalho e Raí Freitas, sobre um improvis

  • Fernanda Castilho
  • 9 de nov. de 2016
  • 9 min de leitura

Foto: Ana Clara Candido

Teve show do Raí Freitas e Igor de Carvalho lá na Casa Na Praça, no dia 28 de outubro. Tudo foi organizado pelo Coletivo Radix, coletivo novinho em folha e raiz que chegou pra fortalecer o cenário musical da cidade. Além disso, também teve exposição com as pinturas e ilustrações psicodélicas da artista Lívia Tonani. Como eu conhecia poucas músicas do Igor, músico que despontou na cena autoral pernambucana, tratei de ouvir o álbum completo alguns dias antes do show. Já no primeiro contato aquele trecho grudou na cabeça “eu sou desinformado, sou complexado, sou bacharelado em baixar CD”. Naquele momento bateu uma reflexão: com tanta música na rede, ali prontinha, te esperando em arquivos RAR, Spotify, Youtube, mp3, Flac ou tanto-faz-como-tu-ouve, a gente se torna meio que um tipo de bacharel em conhecer novos sons, alguns te prendem e tu não larga, e alguns é como se entrasse por um ouvido e saísse por outro.

Com todo mundo sentado no chão, e com Raí e Igor com os violões na mão e sentados na cadeira, o show começou com a música “Seja”, de Igor. O Raí deixou seu caderninho do lado, bem perto, caderninho de artista pra guiar, enquanto Igor tinha ao lado uma folha caída com sua lista de canções, seu prato do dia, e alguns de seus CD’s. Os dois músicos iam tocando alternadamente, assim sem pressa, com calma, pra todo mundo ouvir. Raí tocou “Canto Torto”, música cheia de filosofia e poesia “o canto é torto/ vou com os dois também/ em linhas tortas ponho as notas como me convém/ Einstein dá as mãos pra Buda/ eles praticam o zen/ o amor é laico e disso Jesus e Exu sabem bem”.

Assim que o show terminou, o Pedro e eu chamamos Raí, Igor e Flaira (mulher do Igor) pra sentar na pracinha em frente para uma entrevista.

Avenida: Vocês tocaram num formato diferente do usual, tocaram alternadamente sem aquilo de um músico que abre pra outro. Como vocês tiveram essa ideia?

Igor: Foi uma sugestão de Raí. Quando eu tava vindo pra cá ele sugeriu alguns formatos de show e a gente chegou nisso. Agora a gente não pensou em blocos, nem nada. A gente fez no “ó, vamo tocar”, a gente não teve tempo de ensaiar, não teve tempo de nada.

Raí: E isso acaba acontecendo durante o show, né? Você toca uma música mais animada, fala pô, vou tocar uma também Ou às vezes pra abaixar o clima, depende da intenção também...

Igor: E do que a gente tá recebendo. A música é uma troca. A gente tá tocando não é só pra gente, a gente tá entregando e devolvem pra gente. Então, ontem a gente fez um show em Volta Redonda [RJ] e o repertório foi completamente diferente. Porque a gente vai sentindo, vai vendo o que as pessoas tão querendo ouvir, a intenção como o Raí falou. E hoje foi muito bonito justamente pelo respeito, pelo silêncio, as pessoas tavam envolvidas com a música e tal. Não sei se é porque a gente tava mais envolvido, né? Porque ontem foi meio que um susto, por mais que tenha sido foda. E depois da estreia a gente sossega o facho.

Foto: Natália Elmor

Avenida: Igor, dá pra perceber que tem uma ligação com diversas religiões, como a mitologia Iorubá, budismo, e tantas outras, e que você traz muitas dessas referências para as suas composições. Como isso te influencia?

Igor: Diretamente e totalmente. Eu sou muito espiritualista. E passei por uma fase com muita espiritualidade. Eu lia sobre várias coisas, eu li a Bíblia, sobre a Kabbalah, tava envolvido com todas as religiões por mais que eu não pertencesse a nenhuma. Então aquele momento da minha vida fez com que a música ressoasse o que eu tava sentindo, o meu estado de espírito. Tudo o que eu falo, mesmo quando é uma questão social, política, tem alguma coisa envolvida, porque eu bebo dessa fonte, eu bebo da espiritualidade, tá dentro de mim. E Raí também tem uma parada assim, né? Eu fiquei vendo aquela frase “o amor é laico, e disso Jesus e Exu sabem bem”. Isso é foda!

Raí: Eu tenho interesse muito grande por tudo que vem dessa fonte! E é muito curioso porque algumas dessas composições vieram em fases que foram muito difíceis pra mim, justamente por eu estar me desvinculando disso, que é uma coisa minha. E quando eu percebi, eu disse “vei, eu tenho que voltar”. O fato de fazer música não mudou, mas a forma de vivenciar a música é diferente.

Avenida: E depois dessa transição, depois dos primeiros discos, quando vocês viram “pô, tá pronto o primeiro trabalho”, tem a questão do “pra onde eu vou agora?”. Queria saber de vocês dois, nesse clima de intimidade, vocês e os respectivos violões, pra onde vocês tão olhando e onde pretendem chegar?

Igor: Eu acho que é a inquietude do artista. Eu sou a ponte da música, vem pra mim e eu solto. E aí as pessoas escolhem as suas canções e tomam pra si. Eu acredito que é importante a inquietude do artista pra fazer o que é novo, o que lhe convém também, pra chegar mais longe, o verdadeiro tem que partir de você. E eu tô fazendo esse pocket show nesse sentido, eu precisava passar por isso, precisa tá aqui pra entender esse meu processo artístico e, entender o que as pessoas tão entendendo.

Raí: Isso me contempla porque não tem a ver com planejamento, né? Por exemplo, acabei de gravar um disco, o que quê eu vou fazer agora? Vei, quando eu tava pensando nisso, foi a época que secou a fonte de composição, secou total! Mas assim, de verdade, em 2015 eu não compus nada... Comecei a me questionar “será que era pra fazer só O Andarilho e mais nada?”. Mas não, era por dois motivos: quando eu lancei o EP dei uma relaxada, e quando eu comecei a pensar “e agora o que eu vou fazer?”. Foram as duas coisas que me fizeram secar. E aí, ano passado eu dei uma relaxada e falei “ah vei, eu não tenho que me preocupar com nada, eu tenho é que fazer o que vier...”. E aí voltou um fluxo legal de composições. Dessas músicas que eu toquei hoje, que eu me lembro, três são desse ano.

Igor: Tem aquela parada, né Raí? Do hiato, né? Todo mundo passa por isso em qualquer profissão. E você realmente tá escasso do que você trabalha. Isso não significa que as fontes tenham secado, é respeitar o momento. E não vai secar nunca, pô!

Avenida: Como você veio lá do Recife, deve ter muitas referências musicais de lá, mas e a música mineira? Como ela te influenciou?

Igor: Fundamental! Clube da Esquina! Se você entrar no meu Facebook, tem lá, eu não coloquei o colégio que eu estudei, eu coloquei “Clube da Esquina”. Porque eles me ensinaram mais do que o colégio. Milton Nascimento foi o meu maior professor na vida. Não tô falando só da música não, tô falando da vida. Eu escutei o que ele tava falando. Então, pô, Minas Gerais faz parte da minha música.

Avenida: E você Raí?

Raí: Eu vou falar que o que você fala de Milton, eu falo de Gil! Eu acho foda isso! Eu bebo muito lá do Nordeste. Desde quando eu era molequinho, minha mãe ouvia muito Luiz Gonzaga, e tudo que ouço de lá me toca muito. Teu som foi uma parada dessa, que começou a me abrir.

Avenida: A gente tem mania de perguntar das referências, do que influenciou na música. Mas hoje o que você tá ouvindo, o que tá te influenciando? Música, poesia...

Igor: Eu vou falar de música, que é o que tá realmente me influenciando. Poesia já me influenciou, mas hoje a cena pernambucana tem me feito um bem danado, sabe? O que a gente tá vivendo lá em Pernambuco, um dia vai ser ouvido com muito carinho, porque o que a gente tá criando lá é muito bonito. Tem umas pessoas que eu posso citar: a banda Marsa, Juliano Holanda, Thiago Martins, Flaira; que é minha esposa, Marcelo Rangel, Vinícius Barros. A gente chegou e ó, tô contigo! Todo show vai a turma toda, participa todo mundo. Têm Helton e Vertin Moura, que são dois irmãos, Cleisson Nascimento que é um grande poeta e lá. Enfim, tem uma carrada de gente! E aí a gente entrou nessa parada! Por isso que inclusive eu falei hoje, que é importante dar valor ao artista daqui, porque ele precisa. A gente precisa disso! E aí a gente se entendeu lá em Recife... Me abraça, vamos juntos! Eu divulgo o seu show com meus fãs, você também divulga.

Avenida: Você falou de não fazer nada sozinho e tal... Como é a importância desses encontros , como esse encontro de hoje pra composição, pra inspiração?

Raí: Acho que acaba transcendendo a questão da composição, é uma fenda que se abre ali. Eu tava pensando nisso vindo pra cá hoje, como foi foda essa vinda de vocês pra cá, ter conhecido Flaira, ter me aproximado mais de você. Cada encontro vai ser uma aproximação maior e receber vocês lá em casa em Volta Redonda, conversar com vocês aqui. É um negócio que transborda a composição, é um negócio que marca mesmo!

Igor: É o que você falou ali, é a aproximação que faz com que a gente entenda a cabeça do outro. E aí a gente vai encontrando brechinha onde se identifica e onde pode chegar junto pra dividir o que a gente pensa, o que sente. A gente foi pra lá e tava conversando, e no final das contas ficou lá brincando, que Flaira começou com a questão do detetive, que num sei o quê... Que foi detetive de uma música tua, e aí foi detetive, detetive...

Flaira: Detetive, detetive, detetéee...

Igor: E a gente começou a criar e foi pra rede. É isso! Não tem como, a gente se influencia, por tudo o que tá em volta da gente, não é só o que a gente escuta e o que vê, mas a gente se influencia pelo amigo que tá do nosso lado, pela família. É como aquela parada do consciente do inconsciente, a gente tem noção do que tá falando, mas tem um mundo em volta que tamo captando também. A música daquele bar, o frio que tá rolando aqui, eu vou levar na minha memória, faz parte de mim.

Foto: Natália Elmor

Avenida: No show vocês disseram que mesmo antes de namorar já tinham composto uma canção juntos...

Flaira: Sem dúvida, Igor me abriu pra um jeito de se relacionar com a canção que eu até então desconhecia, ele é um operário da composição. É uma pessoa que compõe todo dia algo. Enfim, isso me ajudou muito, e várias vezes a gente compartilha ideias que vão reverberando em novas canções, tem muita coisa que a gente tá fazendo e muita coisa a ser completada, mas é um desejo da gente de continuar exercitando essa criação coletiva, porque isso que é o grande aprendizado. Uma coisa é a gente dentro do mundo da gente e começar a escrever aquilo que inspira, outra coisa é você aguçar sua percepção a ponto de conseguir traduzir o que o outro queria dizer com a frase que ele já propôs. É exercitar essa escuta, aguçar a poesia mesmo, acho que é afinar a relação com o outro e com a própria canção.

Avenida: Igor, o que o pessoal de Juiz de Fora tem que ouvir de lá?

Igor: O que eu tinha falado, né? A banda Marsa, Flaira Ferro, Helton e Vertin Moura, Juliano Holanda. O Juliano Holanda é um mestre pra gente porque ele faz parte de uma geração mais velha que abraça todo mundo, sabe? Ele é o maior compositor, o que mais compõe, e o que mais está em todos os shows. Tem o Barros, que acabou de lançar um disco incrível, é importante vocês procurarem, que é o Miocárdio – que inclusive tem música minha – a Marsa tá com música minha também, Aninha Martins, Sophia Freire que acabou de ganhar o Natura Musical. Sophia é uma menina de 19 anos, super talentosa e que comanda uma nave sozinha, ela bota lá altos programadores e um teclado, é poderoso. Recife é incrível, parece que a fonte lá não vai esgotar nunca. Graças a Deus eu nasci lá!

Avenida: No ponto de vista de vocês, o que seria música independente?

Igor: Música independente é a música mais dependente de todas! Eu acho que a gente tem que começar nisso aí. É um termo, um adjetivo mentiroso. A gente precisa de todo mundo, sabe? O músico independente não é só músico, ele é produtor, ele é videomaker, é publicitário. Eu acho que inclusive devia acabar com isso de “música independente”! Músico independente são os grandes artistas, os renomados e tal, que não precisam do empurrão. Eu sou músico dependente!

Raí: Eu acho que o músico independente é qualquer um, por isso que ele é dependente, porque ele é qualquer pessoa que quer fazer música, que começa a compor, quer cantar coisa dos outros. E acho que ouvir é importante, ouvir pessoas que são iguais a você, que não tão colocadas num pedestal, às vezes a pessoa nem tem culpa de tá lá no pedestal. Mas acho que é importante a gente se ouvir, ouvir os iguais e os diferentes que estão em situações semelhantes. Acho que é a importância da comunicação, ouvir tudo o que tão fazendo aqui, ouvir o que o Graveola tá fazendo em Belo Horizonte... Tá atento ao que está sendo dito, e tá sendo dito porque as pessoas querem dizer, tem uma autonomia envolvida aí. Não dá pra dizer que todo mundo que tá lá cima não tá falando com autonomia, mas não é todo mundo também.

Flaira: Nossa, eu achei maravilhosa a resposta dos dois! Eu não tinha conseguido organizar o pensamento como eles “de cara” já entregaram. E eu fiquei pensando agora, o que seria a música independente. Além de tudo isso que eles falaram, acho que é um exercício diário de coragem pra se fazer aquilo que acredita mesmo que todo mundo diga que não é bom, que todo mundo desacredite e ir contra esse modelo de indústria musical que aliena e que diz o gosto e o jeito que as pessoas devem ouvir e se escutar. É uma relação com a energia vital, né? A música independente é essa relação com o que há de mais necessário pra se estar vivo existe. Acho que é por aí! ***

 
 
 

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