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Os sonhos não envelhecem: festival reúne gerações para celebrar a música

  • Bianca Colvara
  • 22 de nov. de 2016
  • 8 min de leitura

Fotos: arquivo pessoal/Bianca Colvara

Alguns anos atrás, lá em 1977, o Milton Nascimento chamou a rapaziada da MPB e foi todo mundo para um sítio, a Fazenda Paraíso, em Três Pontas, no Sul de Minas, pra fazer um show no meio do pasto. Só de pensar nesse show, fico com inveja de quem viveu para poder cantar junto com eles. Sinto falta de um tempo que eu nem vivi. Depois de mais de 30 anos, a cidade voltou a receber um festival de música com tanta gente boa reunida: o Festival Música do Mundo. Ele teve sua primeira edição em 2009 e levou à cidade nomes como Toninho Horta, Ivan Lins, Jorge Vercilo, Tom Zé, Lenine e, dentre outros, Milton Nascimento, claro. Uma grande festa da música. Uma reunião. Um clube.

Mais recentemente, em outras edições do festival, os shows também eram realizados nas praças, principalmente na “Pracinha do Centenário”, aquela com um arco-íris no meio da rua, cuja casa amarela da esquina é da dona Viviane. Ela mora ali desde que nasceu e depois de 52 anos, já viu de tudo passar pela pracinha: shows do 14 Bis e d’A Banda Mais Bonita da Cidade, procissões e autos de natal e até o guitarrista do Zeca Baleiro parar pra tirar uma selfie.

Seja na praça, no campo, na balada chique da cidade, no barzinho e se bobear pelo computador, a música une e aproxima as pessoas. Aquele amigo que eu não vejo há meses? Vai pro festival. A dona Viviane que cuida de 17 gatos e só sai de casa pra ir trabalhar? Já comprou os ingressos e vai pro festival também. A amiga de adolescência do meu pai? Vai pro festival e leva sua lata de cerveja na mão. Eu? Pego carona, falto aula e saio mais cedo do trabalho, mas vou pro festival.

A Liverpool mineira

Três Pontas é uma pacata cidade do sul de Minas Gerais. Além da manteiga deliciosa e do café, outros dois motivos tornam a cidadezinha ainda mais especial. Um deles é Padre Vitor, o santo padroeiro da cidade, motivo de festa todos os anos, com igreja enfeitada, hotéis cheios, feiras de artesanato, praça lotada e uma carga de bênçãos para todos os fiéis que passam por lá.

O segundo motivo é Milton Nascimento, nascido em Juiz de Fora e criado em Três Pontas. Esta cidadezinha é, nada menos, nada mais que o jardim onde floresceu um dos maiores nomes da música brasileira, quiçá do mundo.

E foi por isso que Zeca Baleiro, durante seu show no Festival Música do Mundo deste ano, bradou que Três Pontas é a Liverpool mineira. Referência clara para quem sabe ler e ouvir bem. Não há discordâncias.

Além da religiosidade herdada de Padre Vitor, a cidade também respira cultura. Conversa vai, conversa vem no festival, eu descobri que existe uma cena musical bem forte por lá. Por exemplo, o Bruno Morais, vocalista do Umagumma, a banda brasileira cover impecável do Pink Floyd, é de lá. Inclusive, ele participa de outra banda trespontana, O Bando, que toca clássicos do rock.

Para dar uma força para o pessoal da música local, a produção do show resolveu “juntar tudo numa coisa só”, como diria O Teatro Mágico (que participou do festival em 2013). Uma banda completa tocou junto com os músicos da cidade. “Essa banda, na verdade, não existe”, explicou a Paulinha que estava no staff do festival. “A gente montou uma banda base e os cantores da cidade vão se revezando no palco”.

Todos os cantos, uma só voz

Esta edição o Festival Música do Mundo, começou na quinta-feira, 27 de outubro, e teve o grande show de encerramento no sábado. A programação reuniu palestras para formação de professores, oficinas, feiras de artesanato e claro, música. No sábado, o dia mais esperado e movimentado, o cemitério da cidade ganhou um pouco de vida com a “Serenata dos Tiso”, que contou com a presença do Wagner e seus familiares, numa tarde de vento gelado, mas coração aquecido.

Depois da serenata, é hora do rock, bebê! O festival foi realizado num campo aberto, com matinho até as canelas. Uma das fortes lembranças que tenho de 2013 é o pôr do sol visto através do palco do festival. Dessa vez, a noite já tinha caído e um vento forte cortava a multidão. Mas não foi suficiente para calar nossa voz. Pelo contrário. No palco, A-banda-que-não-tem-nome deu início aos shows da noite. Repertório mesclado, desde axé até aquelas clássicas do Capital Inicial. Mas foi bom para começar a mexer o corpo e esquecer do frio que só aumentava.

O Bando

Aos poucos o lugar ficou mais cheio, no entanto, não tão cheio quanto o esperado. Isso é bem peculiar porque, um evento nessas proporções, com tantas atrações e programação tão variada, deveria chamar a atenção. Mas não chama. Pelo menos não na própria Três Pontas. Como eu disse, a cidade é pacata e religiosa, cultural também, mas não se sabe por qual motivo, os próprios moradores da cidadezinha não sabiam que o festival iria acontecer ali. Peguei alguns tios de surpresa. Já a dona Viviane me disse que a produção distribuiu alguns ingressos, mas não espalhou a notícia pela cidade.

Só que espalhou pela internet. Teve evento no Facebook e uma tentativa de crowndfounding no Catarse. Apesar do fracasso do segundo, o primeiro acabou rolando. A produção tentou arrecadar quase R$120 mil para a realização do festival, sem sucesso, claro. A gente mal arrecada R$20 mil em financiamento coletivo, imagina mais de 100 mil reais? Achei curioso, audacioso. Mas o lado bom é que teve festival assim mesmo. “Conseguimos um dinheiro em Furnas”, disseram em nota oficial, na página do evento.

Todo artista tem que ir aonde o povo está

Infelizmente o pessoal lá de Três Pontas perdeu o próprio festival. Já eu, esperava por esse momento desde Maio, quando entrevistei Dudu Lima e ele me deu um spoiler que o festival ia sim acontecer. Depois da banda que não tem nome, dancei bastante ao som da tal Groove de Bamba, que mistura um pouco do soul, do black e do pop. A vocalista, uma negrona arretada, tem uma voz absurda, incrível. Deu para esquentar o corpo enquanto a dona Viviane, ao lado, esperava Zeca Baleiro, e eu me questionava sobre como as pessoas receberiam o instrumental de Dudu Lima.

Entre uma banda e outra, algumas atrações especiais faziam a noite ficar mais interessante. Os palhaços da Psiu de Luz, direto de BH, foram os encarregados de distribuir sorrisos e gracinhas para o público. Mais cedo, durante a programação da tarde de sábado, eles fizeram uma oficina de malabares para crianças na Praça Presidente Vargas, logo adiante da “Praça da Matriz” .

Psiu de Luz

Mas o que merece destaque do show de intervalos é a Orleans Street Jazz Band. Os caras são de São Carlos, no interior de São Paulo, e foram parar em Três Pontas para tocar no Música do Mundo. Levaram tudo o que uma banda de jazz tem direito: trompete, trombone, tuba, banjo e até o washboard - que é realmente algo parecido com uma máquina de lavar roupa, mas é um instrumento tradicional do jazz, usado para fazer os sons da bateria.

Eles formam um grupo de street band, e seguem a referência de seu nome: New Orleans. A cidade americana é um nome muito forte do jazz, precursora do gênero. Em uma conversa de camarim, eles explicaram que a pegada da banda é o cortejo, apesar de já terem tocado em casas de show, por exemplo. O grande lance para eles, na verdade, é tocar, independentemente de como fazem isso.

Na apresentação, essa pegada do cortejo ficou bem evidente. Eles andaram entre o público e as pessoas foram seguindo, até formar um círculo onde eles fizeram os improvisos. Naquela mesma conversa eles explicaram que apesar do nome, eles também tentam trazer um pouco de referências brasileiras para as apresentações. Teve improviso de Tim Maia, e todo mundo foi a delírio!

Nada será como antes

Eu acho que estava mais ansiosa para as pessoas conhecerem Dudu Lima Trio do que para o show do Zeca Baleiro em si. E então, a grande magia da noite começou quando Dudu subiu ao palco, acompanhado de Leandro Scio e Ricardo Itaborahy. O trio fez um show alucinante, com canções de Milton e o Clube da Esquina. Os olhos marejaram com “Nada será como antes”. Lá em cima, no palco, Dudu parecia estar em outra dimensão. Quem não conhecia, teve uma surpresa. “Quem é esse cara?” Dudu Lima, gente. “Nossa, ele é muito bom”! E dá para discordar? Ao final, Wagner Tiso abrilhantou ainda mais a noite e tocou duas canções com o grupo juiz-forano. Só faltou o Milton mesmo. Uma pena!

Dudu Lima Trio e Wagner Tiso

Depois da serenidade do instrumental, veio a quebradeira d’O Bando, uma banda cover de rock clássico, com os integrantes todos trespontanos. Foi bom para agitar a galera e mandar o sono embora. Eles tocaram pouco, mas fizeram bastante efeito. O show foi cortado no meio, suponho eu porque o término do festival estava marcado para 1h da manhã e já era mais de 00h e nada do Zeca. Mas é só uma hipótese mesmo.

O doce do Baleiro

A dona Viviane, aquela da casa dos gatos da praça, surtou. Meu pai dançou comigo e com minha mãe. Minha irmã mexeu o corpo. Zeca tocou e emocionou. Sabe aquele CD “Perfil” que todo artista tem? Lá em casa tem um desse do Zeca Baleiro e eu fiquei feliz porque as minhas músicas favoritas todas estavam no setlist. Inclusive aquele poema que eu nem sabia que também era música.

Foi um show curto, infelizmente. A doninha ficou desapontada, “mas ver ele assim de pertinho vale à pena”. E ficou apaixonada, “ai ele é tão bonito, né”? Com certeza, Vivi. E um ótimo músico, de quebra. “Quase nada” quase me fez chorar. “Telegrama” foi a clichê. “Alma Nova” me encantou a cada verso. “Mamãe Oxum” me fez abraçar meu pai bem forte, foi ele quem me apresentou a música, o Zeca, o Humberto, o Cazuza, o Kid e todo o resto. E então Zeca disse tchau e mesmo com os gritos de “mais um”, ele nem olhou para trás. Assim também o fizemos. Deixamos a cidade das pontas e voltamos para a dos corações.

Bonus track: Trago comigo as lembranças do que eu era

Pensar no Música do Mundo é abrir um álbum de fotografias antigas e reviver momentos muito bonitos e especiais. Além da religiosidade, das delícias culinárias e da cultura, Três Pontas é uma segunda casa que carrego comigo. As praças, as igrejas, a estrada de terra, os cafezais, tudo isso significa uma vida de Sul de Minas, de sotaque carregado e pés empoeirados. Voltar lá é sempre um frescor na alma, mas também um pouco triste, de saudade.

Dessa vez fiquei feliz, porque voltei como a aspirante a jornalista da família. “Entrevista ele”, eles disseram. “Ai, depois quero ler”, pensei comigo que eles ficariam querendo, porque eu não tinha certeza se conseguiria traduzir em palavras o que é essa cidade e o que é esse festival, o que eles representam no meu coração. O Música do Mundo não é nada fora do normal. Não tem nenhuma atração bombástica. Não custa nem muito caro. Não acontece em um lugar famoso. Mas talvez seja essa a alma do negócio: acontecer onde tem raízes para isso, para crescer e se tornar algo maior do que é agora.

Três Pontas não é uma Liverpool. É pequena, tem pó, tem estrada de terra, uma matriz com bandeirolas, um memorial do café. Mas é uma Liverpool. Tem um dos berços de ouro da música brasileira, tem os Tiso, tem a Travessia, tem Paraíso. Tem as praças e o que une as pessoas: a música.

E eu tenho três corações de saudade: de casa, de pontas e de um tempo que nunca foi meu, mas eu até queria. Coração, juventude e fé.

 
 
 

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