Greve 8M em JF: Nosso sangue en las calles mostra a nossa luta
- Karoline Discaciati
- 14 de mar. de 2017
- 4 min de leitura
Fotos: Ana Cláudia Ferreira
8 de março de 1857: trabalhadores da indústria têxtil de Nova Iorque fazem greve em busca de melhores condições de trabalho e igualdade de direitos e salários entre homens e mulheres. O movimento foi reprimido de maneira violenta pela polícia.
8 de março de 1917: as mulheres russas pararam completamente seus trabalhos para pedir comida para seus filhos e o retorno de seus maridos que estavam na guerra. O ato foi um dos pontos que levaram à Revolução Russa no mesmo ano.
O dia 8 de março também foi a data de outros dias que marcaram a luta das mulheres por seus direitos, por isso se tornou uma data tão marcante.
8 de março de 1975: a ONU oficializa a data como Dia Internacional da Mulher.
8 de março de 2017: acontecem manifestações em pelo menos 46 países. A greve internacional das mulheres acontece pelo fim da violência machista, da cultura do estupro, por liberdade sexual e igualdade salarial no mercado de trabalho, dentre vários outros direitos que ainda não foram conquistados.
Em Juiz de Fora, mulheres se reuniram na Praça da Estação e foram em passeata até o Cine-Theatro Central. Marcharam à toda voz. Por sua voz. Pelo respeito ao seu corpo. Por ni una a menos. Coletivos feministas, partidos e organizações chamaram as mulheres da cidade à rua, desta vez com uma pauta a mais: contra a PEC 287, “que vem pra atacar os nossos direitos”, explica a historiadora Laiz Perrut, uma das organizadoras do evento. “Normalmente a gente sai nas ruas pra reivindicar algum direito que a gente ainda não conquistou. Infelizmente hoje, no 8 de março, a gente está fazendo outra coisa, está lutando pra que os nossos direitos não sejam retirados”, completa.

Arte e resistência
Ao chegar ao Cine-Theatro Central, o ato culminou em uma manifestação cultural, que contou com apresentações musicais, grafite, rap e poesia de mulheres que fazem parte do cenário artístico local.
Não é de hoje que a arte também se configura como forma de combate a opressões. Mas mesmo neste ambiente que se diz democrático, a mulher encontra obstáculos para adentrar e ser reconhecida pelo meio artístico. Juliana Stanzani, vocalista da Banda Matilda, destacou a partir de sua própria experiência enquanto ouvinte, um fato curioso. “A gente tem um corpo de compositoras [no Brasil] muito grande, e elas não são reconhecidas. A Maysa era uma grande compositora e todo mundo só a conhece como a louca problemática. Às vezes a gente ouve um disco de um cantor e já pensa automaticamente, ‘nossa, mas esse cara é muito bom compositor’, você logo atribui as músicas a ele. Quando você ouve uma mulher, nosso movimento é contrário. Você fala ‘nossa, de quem é essa música’, isso é uma coisa muito enraizada.” Talvez isso ocorra por herança dos grandes festivais dos anos 1960/1970? Talvez, por estarmos inseridos numa cultura em que a mulher é vista meramente como um rosto bonito (e ai daquela que não se encaixa no padrão de beleza ditado como “certo”) que serve apenas para abrilhantar ou reproduzir um trabalho que depende do homem para acontecer.
Ainda assim, não há como contestar o poder de de alcance e transformação da música. “Eu acredito que a música não apenas retrata a vida, mas ela também conduz”.

Representação
As mulheres do hip hop levaram ao evento o “rap de mina”. Laura Conceição, uma das representantes do movimento presentes no ato, explica que “é o rap não somente feito pelas mulheres, mas que também, em algum momento, faz a denúncia da discriminação que a mulher sofre. Ele é um protesto, ele tem essa necessidade de buscar a representatividade das mulheres no movimento da musical”.
O rap de mina acaba sendo uma forma de garantir a representação da mulher na música. “A representatividade também é importante, mas a representação é muito necessária” afirma Gezsilene Oliveira, secretária de finanças do coletivo feminista classista Ana Montenegro, em Juiz de Fora. “Quando a Elza Soares fala na música que ‘cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim’, é uma forma de representar a mulher que ainda sofre violência. É válido ver mulheres e mulheres negras cantando, mas o que elas essas músicas dizem também podem, ou não, contribuir pro fim da violência contra a mulher”.
Gezsilene fez referência à música “Maria da Vila Matilde”, em que a artista canta, quase de maneira educativa:
Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar
Felizmente, outras músicas abordam a luta feminina em suas letras. Luiza Brina, que esteve recentemente em Juiz de Fora, lembra a luta de suas ascendentes em “Costi”. A artista, quando esteve na Espanha para turnê com a banda Graveola, foi atrás da família de seu avô. Encontrou uma mulher de uns 80 anos, que ficou animada ao conhecê-la. Revolucionária e feminista, participou de muitas lutas pela Espanha. Do encontro, nasceu a composição:
Hombre, venha ver, nosso samba en las calles
mostra nossa luta No trem, tenho que volver, no te olvides de mi, guarda a nossa canção, eu não vou te esquecer mais não
Cantemos a luta das mulheres de 1857. Das de 1917. Das de 1975, 1976, 1977. Das do século XXI (sim, ainda é preciso lutar em pleno século XXI). Das de 2017. Das que ainda irão à luta.


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