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O que a música tem a dizer: Sobre a produção do Bambuzal Groove Festival

Fotos: Rita Suriani

É difícil transcrever a brisa boa que foi a sexta-feira, dia 14 de abril. De fato, uma sexta-feira especial, de paixão. Antes de tudo, faz-se necessário contar pra vocês como surgiu o Bambuzal Groove Festival. Rafael Araújo, um dos idealizadores e produtor do Coletivo Radix, esteve em Volta Redonda há algumas semanas pra assistir ao show de Raí Freitas & U Bandão por lá. A expectativa é sempre alta e a cada show ela é superada – disso ele já sabia. O que Rafa não esperava é a flechada que o BeatBass Hightech lançou naquela noite. Foi a conta. A flecha acertou bem no meio do peito e sua vontade primeira foi logo compartilhar essa experiência com Juiz de Fora. A partir daí, Rafa plantou a semente do festival e o Coletivo Radix cultivou. Esse foi só o primeiro passo, porque os seguintes foram dados junto com toda a galera que participou do evento.

Na imagem: banda Soul Rueiro

O Festival aconteceu no Espaço Uthopia, no bairro Nova Califórnia. O palco fica dentro de um bambuzal e, naquela noite, as estrelas foram fiéis companheiras, ao lado da fogueira que aquecia nossos corações. Os registros ficaram por conta do olhar sensível da Rita Suriani.

As portas se abriram ao som de BeatBass Hightech, que existe desde 2005. Formada por Raphael Garcêz e Pablo Duca. Eles se conheciam da cena underground da música e do skate de Volta Redonda e começaram a aprender beat juntos em casa. Assim se tornaram produtores e fizeram trabalhos com vários artistas. Uma passagem que marcou a dupla foi quando produziam Mc Xavi e após sua mudança pra Alemanha deixaram de trabalhar juntos. Nesses época, em 2010, resolveram lançar músicas próprias e gravaram um EP com a galera do Amplexos. Foi quando o projeto da banda tomou esse formato mais enxuto por conta da agenda. O disco começou a ser concebido em Natal, no Rio Grande do Norte, e passou a ser gravado depois com Jorge Luis Almeida. Garcêz conta que tem vários amigos em Juiz de Fora Temer e já tocou várias vezes aqui com outros projetos. Inclusive estava ansioso pra tocar na nossa terra. Pablo tocou aqui com os Invisibles. Mas, com a BBHT foi a primeira vez fora do estado. Garcêz disse que a fama de Juiz de Fora de receber bem a música autoral procede. Disse que gostou da receptividade, de como o espaço foi preparado para o show, da qualidade do som do Uthopia e que espera voltar muito em breve (todos nós esperamos ansiosamente!). As primeiras produções de rap com João já contavam com influência de religiões de matriz africana. Sampleavam percussão de música afro pra fazer beat. "Não quer dizer que exclusivamente vamos falar de religião. A música afro está presente nos ritmos, na composição, nas influências." Os manos da BBHT são uma simpatia. E pra quem não sabia, não são só uma banda do caralho. É um projeto musical muito mais rico e ousado. É hora de conhecer mais dessa galera de Volta Redonda, que lançou o álbum “Luzes Sonoras”, em 2015.

Everton Beatmaker foi o responsável pelo groove que sucedeu a BeatBass e fez o peito de cada uma e cada um sintonizar com toda a noite que ainda estava por vir.

Soul Rueiro subiu no palco arregaçando! Tocando as músicas do EP “Muros Mouros”, lançado no início de 2016 e todas aquelas canções que não têm registro audiovisual, mas que estavam na ponta da língua da galera. O show tem uma energia única e a troca com o público – que evidentemente não é só público, mas também atuante no espetáculo – é uma experiência que não se pode transcrever. Tem coisas que as palavras não são capazes de dizer.

Na imagem: Beatbass High Tech

O som é uma mistura dos caminhos percorridos vida afora e noite adentro. É um eco reverberando da rua, do rap, do reggae, dos cantos do mundo. O vocal de Hugo de Castro, somado à guitarra de Henrique Villela, baixo de Pedro Gabriel, bateria de Felipe Katon e o teclado de Lucas Nogueira agregado à cereja do bolo que é a flauta transversa, sax e voz de Jack Sampedro, percorrem a sabedoria de quem sabe de onde veio e o mundo inteiro que tem a alcançar. Afinal de contas, por trás de um céu sempre tem outro céu. Assim como os muros mouros, eles trazem “mensagens de amor, de luta e de sofrimento”, sem perder de vista a revolta e a resistência de quem quer seguir em frente, impressa na juventude. O show dos caras fez a cabeça de todo mundo que estava compartilhando junto daquela noite.

Não bastasse toda a energia que recarregou nossas almas, chegaram RT Mallone, Marte MC e Thainá Kryia, alicerçados pelos beats de Everton Beatmaker no palco do Bambuzal. Depois de duas bandas, eles chegaram como uma orquestra, no computador e na voz. A verdade que o rap traz só o rap sabe dizer, a gente sabe. E foi exatamente assim que eles encerraram a noite, dizendo tudo o que eles têm dizer. O rap tem dessas coisas. Arrepia até o último fio de cabelo e emociona. Emociona muito! O show foi como uma peça de teatro, dividida em três atos. Todos juntos e cada um com seu espaço, tornaram o palco pequeno pra toda arte que emergiu dali.

Na imagem: Marte MC, RT Mallone e Thainá Kryia

Marte MC tomou conta dos sentidos de cada um. Olhos e ouvidos atentos para compreender o que ele diz a respeito da troca que acontece nos encontros. E é isso que foi o show, um grande encontro. Cada pessoa que estava ali, disposta, saiu diferente. A presença do Marte é singular e especial, o som conecta o que há de mais íntimo com a coletividade que é viver em sociedade. MC é porta-voz da troca que ele proporciona. Ele tem um EP lançado no final de 2015, que carrega o nome de “Começo do Meio”. A criação não para e o cara tem muita coisa nova que você só encontra ali, no palco.

Thainá Kryia é um ser humano raro. A verdade e a força que ela carrega são transcendentes. Chegou com o pé na porta e mostrou a que veio. Ela contou que seu primeiro contato com a música foi através da composição e da poesia. “Valorizo muito a mensagem que uma canção passa e é o meu foco principal na hora de improvisar, cantar e escrever. Nesses momentos sou influenciada por tudo a minha volta, estou sempre refletindo sobre o que vi ou vivi”, conta. Thainá sabe da importância da inserção do rap nesse tipo de espaço e fica muito feliz de ver mulheres trabalhando junto em produções culturais. RT Mallone foi preciso quando disse que “a Thainá é uma mina muito sábia, ela rima muito e tem uma postura muito foda como pessoa, ela ensina muito pra gente”. O show dela foi assim, uma aula da primeira à última palavra. A importância de ter uma mulher ali, colocando em rima tudo o que isso representa no rap, na arte e na vida, é fundamental. Thainá Kryia é formada em Serviço Social e sempre esteve envolvida com projetos sociais relacionados à cultura Hip Hop no decorrer dos últimos cinco anos de envolvimento com o rap, proporcionados através do coletivo independente da cidade, o Encontro de MCs.

RT Mallone sabe que a música sempre continua e nunca se esqueceu de onde veio. Seu som é explicitamente o retrato da realidade em que ele vive. E essa é a intenção da arte do cara que decidiu dividir tudo que tem compondo. Ele fala sobre a sua trajetória no rap e na vida – e os caminhos onde tudo se encontra. É a verdade nua e crua gritando “eu existo”. Não só isso, RT vem dizer que de onde ele vem todo mundo pode vir. Toda essa realidade está eternizada na sua trajetória e está sendo gestada em um disco quase finalizado, intitulado “Eclesiastes”, que será lançado pelo selo Artefato Produções, de São Paulo, para o qual o MC compõe; ainda sem data marcada.

Assim se encerrou a noite de 14 de abril, que com certeza se eternizou pra quem viveu aquele momento. RT Mallone, Thainá Kryia, Marte MC e Everton Beatmaker, junto com Andreidys Bellizzi, compõem um coletivo que, embora ainda não tenha nome, já tem muita história pra contar e energia pra passar.

 

O evento não poderia ter sido mais bonito e condizente com o que o Coletivo Radix acredita. A arte é o pé na estrada e a cabeça na lua, assim como cada um dos artistas que passaram pelo Festival. A arte independente tem a franqueza e a fidelidade ao que existe e resiste! O objetivo do espaço é esse! Acessibilidade e interação da cultura, da política, e dos espaços como meios de integração e ampliação. Juntos somos mais fortes! Ser melhor é ser coletivo! Vida longa à arte independente!

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